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domingo, 31 de outubro de 2021

RESENHA: Histórias de Minha Morte (Maya Falks)

Autor(a): Ester Silva



Foto: Ester Silva


Histórias de Minha Morte (@mayafalks) é aquele livro que precisa de lencinho e pressão controlada para ler. Abordando racismo, machismo, questões psicológicas e de estrutura social, Leandra, uma jovem negra de 25 anos, surge de pé no meio da cozinha, observando seu corpo caído no chão, já sem vida. Questionando-se sobre o que aconteceu, ela misteriosamente revê pessoas do seu passado e juntos rememoram fatos ocorridos durante a sua vida, desde a infância até a fase adulta, fatos estes que mostram como interferiram para que Leandra crescesse como alguém vulnerável, psicologicamente abalada e complexada de n maneiras. Os traumas e abusos vividos são os motivos de suas mortes em vida, e é essa concepção que nos faz ver todo sentido por trás do título da obra.  

Na infância, sofre racismo na escola e, ao reagir, acaba sendo castigada em casa, lugar onde também não deixava de sofrer perseguições. Psicologicamente pressionada por sua tia, Zuleika, frequentemente "ensinava" a menina sobre como deveria se portar para ser uma boa menina, uma mocinha, agindo de forma submissa e calada. Sofre restrições de gênero com brinquedos, sendo proibida de brincar com "coisas de menino", e é coagida a agir com servilismo e delicadeza.  

 

(...) Eu não era uma criança, eu era uma menina. Perninhas cruzadas, cabeça baixa, voz baixa. Sim senhor. Tudo bem, senhor. Perninhas cruzadas. Nada de carrinhos, nada de árvore porque menina tem que ter a pele delicada. Panelinhas. (p. 37) 

 

A jovem foi abandonada pelo pai antes mesmo de nascer. Este, que por sua vez é um homem branco de meia idade, já tratava a mãe de Leandra de forma misógina. Anos depois, o pai retorna e passa a conviver com ela, sua a mãe e seu irmão. Um boa vida relaxado, o sujeito vive às custas de Lavínia, com quem tem um relacionamento. Esta, é uma mulher com boas condições financeiras, que vem a ser uma espécie de anjo da guarda de Leandra, com quem tem bom relacionamento e a trata com muito carinho. Com o advento do pai, a menina sofre uma das mortes mais marcantes, uma vez que o infortúnio imposto pelo pai repercute de forma a transformar sua vida adulta.  

 

Nossa senhora, pretinha... - Eu tremia da cabeça aos pés. Eu estava sozinha em casa com um homem de mais de 40 anos me olhando como um pedaço de carne prestes a ser degustado, e esse homem era meu pai! (...) (p. 94) 

 

Com 12 anos, já sob os cuidados de Lavínia, Leandra tenta suicídio e é levada às pressas para o hospital. Lá, enxerga mais um pouco da falta de sensibilidade até mesmo do plantonista, que sugere que sua atitude tenha sido uma mera “birra” adolescente.  


Quando já crescida, não mais distingue a si mesma como mulher e ser humano digno de respeito e vontades. A violência cometida pelo pai na infância e outras formas de violência transformaram seu psicológico e Leandra toma com normalidade os abusos subsequentes, passando a sentir-se merecedora dos mesmos, até culminar no momento da tragédia final de sua vida: a morte.   


A presente obra tem uma leitura fluída e devia ser lida por todos, embora eu arrisque dizer que não é para todos, pois a autora não simplesmente toca na ferida: ela empurra todo o dedo, com unhas grandes - lixadas - e ainda gira! Histórias de minha morte traz o debate fundamental de questões sociais que atingem, sobretudo, a realidade de inúmeras mulheres negras e pobres desse Brasil velho sem porteira. O livro apresenta só um pedacinho do muito disso que rola solto sem nossa constante atenção ou conhecimento, e já deixa o leitor destroçado. Imagina VIVER tudo isso. Imagina ver tudo isso todos os dias bem de perto. Eu li a obra toda? Sim, duas vezes. Li de uma vez? Não. Na primeira leitura precisei parar num capítulo bem específico, porque já estava bem triste por dentro. Daí o pai de Leandra retorna... Precisei de fôlego para prosseguir, dias depois. Também chorei lendo, não me intimido em dizer. 


Mas é uma obra belíssima. Dolorosa, mas belíssima.  



(Maya Falks - Histórias de Minha Morte: Quatrilho Editorial, 2017)

 



A autora: 


Maya Falks (@mayafalks) é jornalista, publicitária e escritora caxiense e tem outros títulos publicados, como Poemas para ler no front, Santuário e Eu também nasci sem asas, que ganhou o prêmio de melhor obra, vulgo Prêmio Vivita Cartier, do 55° Concurso Literário Anual de Caxias do Sul (RS).  


Onde? 


IG: @mayafalks (https://www.instagram.com/mayafalks/)

Facebook: https://www.facebook.com/escritoraMayaFalks/

Facebook: https://www.facebook.com/maya.falks


Conheça mais do trabalho da autora com resenhas, textos avulsos e mais abordagens literárias no blog Bibliofilia Cotidiana: https://bibliofiliacotidiana.wordpress.com/


Facebook: https://pt-br.facebook.com/bibliofilia.cotidiana/





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