Análise e comentários:
FILMOGRAFIA DE PAUL THOMAS
ANDERSON
19
de março de 2022
Douglas Jefferson, bacharel em Filosofia
Créditos da imagem:
© Focus Features.
Paul Thomas Anderson, também
conhecido como PTA, é um cineasta estadunidense, nascido em 1970. Aprendeu cinema
não de forma acadêmica, mas como autodidata, assistindo muitos filmes, desde
sua infância, e trabalhando como assistente de produções televisivas, em Los
Angeles. Sua filmografia é ilustrada por indicações ao Oscar de melhor roteiro,
sendo que ele escreve seus próprios projetos, e melhor direção; além de prêmios
como o BAFTA e festivais internacionais, como o de Cannes, Berlim e Veneza. Atualmente,
muito em conta dos enredos e das performances excepcionais do elenco de cada um
de seus trabalhos, é considerado um dos diretores mais prestigiados de
Hollywood. Por enquanto, sua carreira soma nove longas-metragens, mas também
curtas, menos conhecidos, videoclipes e outros projetos musicais.
Em se tratando de estilo
cinematográfico, Anderson adora unir grandes blocos de cenas com temas musicais,
seja orquestral, onde Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead, assina a trilha
de boa parte de seus filmes, seja popular, como canções setentistas e playlists
escolhidas minuciosamente pelo diretor (muitas, ainda na pré-produção), dando a
priori o ritmo à montagem. Essas cenas musicadas fazem o silêncio, entre
elas, gritar – e escancaram o valor cru das atuações, sempre fenomenais. Entre
seu “acervo”, destaco os monstros sagrados Daniel Day-Lewis, Philip Seymour
Hoffman e Joaquin Phoenix. Estes entregam algumas das melhores atuações do
cinema norte-americano, pelo menos das últimas duas décadas. Seus personagens
são inseridos em tramas complexas, cheias de nuances e forte impacto do meio
histórico. Percebe-se claramente o reflexo da história de vida de cada um em
suas escolhas, seja um soldado sobrevivente de guerra, uma mulher traumatizada
e viciada em drogas ou um líder de seita. As ambientações, com riqueza de
recursos técnicos, levam-nos para dentro de cada trama e nos envolvem por
inteiro. Ficamos presos, hipnotizados, pelo desenrolar dos fatos. Há ainda
muitas subtramas permeando os protagonistas, que às vezes se veem em núcleos que
acabam, em algum ponto, convergindo. Outro ponto técnico relevante é a
criatividade no posicionamento das câmeras, com cortes ou falta de cortes
precisos e uso de Steadicam em planos-sequências, tudo conduzido com maestria.
Entre os temas mais abordados em
seus roteiros, percebemos a presença de figuras paternas problemáticas e
personagens psicologicamente abalados, por culpa, medo, insegurança, traumas,
com muitas imperfeições e, por isso, bastante humanizados. Essas figuras,
quando têm o destino cruzado, geram dilemas escalonados. Diria que no complexo fator
psicológico está a principal habilidade de seu texto – que cresce ainda mais no
vídeo. Há muitos filmes de época evocando os anos 70 e 80, por exemplo, trazendo
um intenso sentimento nostálgico, bem como momentos históricos ainda mais
antigos, o que traz sempre um aprumo do figurino, dos objetos em cena e até do
comportamento de cada pessoa em tela.
Na sequência, acompanhe minhas notas e comentários acerca de cada um de seus longas-metragens, bem como as médias dos filmes nos maiores sites de cinema.
Inherent Vice (2014) | Vício Inerente
Nota pessoal: 7,4 (muito bom)
Rotten Tomatoes: 73% | IMDb: 6,7/10 | Metacritic: 81%
| Filmow: 3.5/5
Comentário: Na década de 70, um detetive particular
investiga o sumiço de sua ex-namorada com o amante rico. Uma garota narra em off,
enquanto seguimos os passos do descolado investigador, interpretado pelo,
sempre excelente, Joaquin Phoenix. Há um elenco de peso aqui, com presença de
alto escalão de Hollywood. O filme inteiro parece “drogado”, junto aos personagens
– o ritmo, a edição, o roteiro. Por vezes, pode ser maçante e confuso, com
muitos nomes, subtramas e diversas ambientações. Devido ao uso de drogas, não
sabemos exatamente o que é real, mas somos conduzidos pelo mistério de forma
cômica e completamente inesperada. O cenário histórico-temporal é impecável, o
que torna a experiência imersiva, onde se notam penteados de época, figurinos,
músicas, automóveis e, sobretudo, onipresentes gírias.
Punch-Drunk Love (2002) | Embriagado de Amor
Nota pessoal: 7,5 (muito bom)
Rotten Tomatoes: 79% | IMDb: 7,3/10 | Metacritic: 78%
| Filmow: 3.6/5
Comentário: Um vendedor, pressionado por suas sete
irmãs, conhece romanticamente uma mulher misteriosa, ao mesmo tempo em que
tenta lidar com seus próprios problemas psicológicos e começa a receber
ameaças, depois de ceder seus dados bancários a uma agência de telessexo. Adam
Sandler, no papel principal, encaixa-se perfeitamente no papel e dá o tom
certeiro, entre a comédia e o drama. Seu personagem parece internamento
bloqueado, com acessos de choro e fúria, até que o amor surge em sua vida –
permitindo que ele se aceite e finalmente usufrua de seu belo potencial. É um
filme estranho, bem como seu protagonista, com escolhas aparentemente
aleatórias, mas que refletem idiossincraticamente suas “peças no tabuleiro”. As
chaves de roteiro nos prendem aos acontecimentos e colocam suspense por trás de
cada arco, o que nos deixa ligados à progressão do enredo. Há muitas cenas de
humor, mas sem perder profundidade.
Hard Eight (1996) | Jogada de Risco
Nota pessoal: 7,9 (muito bom)
Rotten Tomatoes: 81% | IMDb: 7,2/10 | Metacritic: 78%
| Filmow: 3.7/5
Comentário: Um idoso, experiente em jogos, encontra um
homem cabisbaixo, sentado na frente de uma cafeteria. Após conhecer sua
história, decide lhe ajudar a lucrar em cassinos de Las Vegas. O primeiro longa
de Paul Thomas Anderson tem um enredo simples, por vezes monótono, mas a forma
como tudo é conduzido nos deixa apreensivos e surpresos pelas reviravoltas, que
ressignificam cenas passadas. Cada elemento de roteiro revelado atiça cada vez
mais a nossa curiosidade, em um suspense hipnótico. É uma característica
basilar do diretor: prender toda a nossa atenção, como se nós, expectadores,
fôssemos parte da história – por isso cada revelação soa íntima. O elenco todo
está formidável, com várias camadas de interpretação. Destaco a personagem de Gwyneth
Paltrow, complexa e cheia de conflitos internos.
The Master (2012) | O Mestre
Nota pessoal: 8,3 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 84% | IMDb: 7,2/10 | Metacritic: 86%
| Filmow: 3.7/5
Comentário: Após sobreviver à Segunda Guerra Mundial,
um ex-soldado, psicologicamente abalado, embarca em uma seita religiosa
liderada pelo “Mestre”, onde encontra refúgio emocional. Visualmente, o longa
nos impacta de primeira, com planos imersivos e atuações de primeira linha. Joaquin Phoenix brilha no protagonismo, trazendo um
homem de muitas facetas, certamente traumatizado e impulsivo, como um animal
indomesticável. Do outro lado, Philip Seymour Hoffman interpreta o líder da
seita e entrega mais uma finíssima atuação, alternando estados de humor entre o
carisma, um perfil manipulador e narcisista e picos de fúria, quando
confrontado em suas ideias. O filme aborda a temática da necessidade que muita
gente tem de seguir um líder, ainda que seus métodos não sejam científicos.
Espíritos fragilizados encontram conforto em certos tipos de discurso –
fugindo, assim, da realidade. O soldado, aqui, pesa no oposto da doutrina do
“Mestre”: enquanto este dita dogmas, “verdades universais”, com o ser humano
acima de todo e qualquer animal, aquele é o arquétipo da contradição humana,
refém de intensa animalidade. São visões antagônicas, inconciliáveis, o que
gera boa parte da trama e seus ricos diálogos.
Boogie Nights (1997) | Boogie Nights: Prazer Sem Limites
Nota pessoal: 8,9 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 93% | IMDb: 7,9/10 | Metacritic: 85%
| Filmow: 4/5
Comentário: Durante os anos 70 e 80, um diretor de
filmes eróticos vê “talento” em um jovem lavador de louças e o convida para
“atuar” na indústria. Na superfície, o longa começa alegre, feliz, mas vai
desbotando na medida em que a vida pesa sobre as consequências sociais e
psicológicas de se viver em meio às drogas e sexo desenfreados. Nas raízes,
desde o início, o filme se mostra como uma grande ilusão: há uma atmosfera
lúdica, multicolorida, quente, mas frágil. Músicas setentistas tocam sem parar,
dando um ritmo frenético. Na “bolha mental” criada pelo núcleo de personagens,
parece um sonho (alimentado por substâncias ilícitas) – até que a sociedade, de
fora para dentro, rompe as dissimulações. O preconceito (e a violência), bem
como a jurisprudência são alguns dos alarmes, que indicam: o mundo vai além
dessa realidade. De um lado, êxtase e variados prazeres; do outro, overdoses e
fragmentações psíquicas. Qual o resultado de se trocar uma vida planejada pela
efêmera fama, dentro de um círculo bem específico? Tudo isso é muito bem
explorado, com humor ácido e denso drama. Tecnicamente, o diretor opta por planos-sequências
e valoriza o tom, fazendo um jogo de ambientação que nos imerge nos estados de
espírito do elenco.
Licorice Pizza (2021)
Nota pessoal: 9,1 (excelente)
Rotten Tomatoes: 91% | IMDb: 7,5/10 | Metacritic: 90%
| Filmow: 3.6/5
Comentário: Gary, um garoto de 15 anos, se vê
encantado por Alana, uma jovem de 25. Ele é imaturo e meigo, mas corajoso e
empreendedor, tendo trabalhado com atuação e, no decorrer do filme, aberto uma
companhia de vendas de colchões d’água e um estabelecimento de pinballs.
Ela, de família judaica e exercendo uma profissão que odeia, alterna entre
muitos estados mentais e ainda não encontrou seu lugar no mundo. Um sonhador e
uma deslocada. Juntos, os dois vivem pequenas histórias na medida em que vão
amadurecendo e reforçando laços, numa “amizade torta”, de altos e baixos. Ambientado
nos anos 70, Licorice Pizza é o filme mais açucarado do diretor. O
roteiro não busca por desafios grandiloquentes, mas acerta ao se fincar na
imprevisibilidade e no cotidiano da juventude setentista. A fotografia, os
cortes e as músicas nos levam a uma cidade ensolarada, onde tudo parece
infinito – as oportunidades, as festas, a vida. Os dois protagonistas
surpreendem pela profundidade dramática, demonstrando inseguranças, conflitos
internos, arrependimentos, sensação de não-pertencimento, etc. No fundo, é
sobre crescer, amadurecer e superar nossas travas psicossociais, na busca
daquilo que desejamos em nosso íntimo. É o tipo de filme que nos transborda de
sentimentos próprios da juvenilidade, como paixão, liberdade e autorrealização.
Phantom Thread (2017) | Trama Fantasma
Nota pessoal: 9,5 (excelente)
Rotten Tomatoes: 91% | IMDb: 7,5/10 | Metacritic: 90%
| Filmow: 3.7/5
Oscar: melhor figurino.
Comentário: Um famoso estilista da alta-costura
britânica, em meados do século passado, apaixona-se por uma jovem garçonete.
Acostumado a “descartar” suas namoradas, ele nem imagina o quanto a nova paixão
impactará sua vida. É, sem dúvida, o longa mais charmoso de Paul Thomas
Anderson, com perfeição e delicadeza em toda sua construção, do figurino,
premiado no Oscar, trilha sonora, do guitarrista do Radiohead, Jonny Greenwood, até a fotografia e as estrondosas
atuações. O protagonista é vivido por Daniel Day-Lewis,
simplesmente o melhor ator de cinema das últimas décadas. Ele entrega uma
performance pormenorizada, cheia de sutilezas, ao encarnar o estilista
radicalmente metódico, perfeccionista e controlador ao extremo. A garçonete,
por sua vez, é “humana”, isto é, transparente, natural, espontânea. O choque
entre os dois move toda a trama e, por vezes, chega a um passo de romper o
relacionamento. Para “abaixar a máscara” do amado e trazer à superfície seu
inconsciente, vulnerável e “alcançável”, ela o adoece propositalmente, com
cogumelos tóxicos. É a forma que, desesperada, encontrou para torna-lo
dependente dela e, assim, não ser substituída. Há um jogo de poder, aparências
e desejos reprimidos enredando o roteiro – perceber essas camadas psicológicas
tende a intensificar a experiência do espectador, que pode achar o filme
monótono, lento e arrastado se não se prender ao que está por baixo.
There Will Be Blood (2007) | Sangue Negro
Nota pessoal: 9,8 (excelente)
Rotten Tomatoes: 91% | IMDb: 8,2/10 | Metacritic: 93%
| Filmow: 4.3/5
Oscars: melhor ator (Daniel Day-Lewis) e melhor
fotografia.
Comentário: No início do século 20, Daniel Plainview e
seu filho partem em busca de terras ricas em petróleo, até que seu orgulho se
encontra com a ambição de um influente pregador religioso. Primeiramente,
enalteço a atuação de Daniel Day-Lewis, no papel principal: é uma das melhores
performances da história do cinema – a melhor do novo milênio, muito
provavelmente. O ator se dissolve dentro do personagem, com trejeitos, sotaque
de época, linguagem corporal, modo de andar e olhares primorosos, que nos
convencem do início ao fim. A “cena do batismo”, quando Day-Lewis grita: “eu
abandonei meu filho!”, é visceral, com entrelinhas que abrem margem para
múltiplas análises de personalidade. O tema do longa gira em torno da ganância
capitalista, que atropela, sem dó nem piedade, qualquer vestígio de moral
concorrente, até mesmo cuidados com segurança, vínculos afetivos e valores
religiosos. O conflito por poder econômico (e prestígio) guia o jogo do
orgulho, da humilhação e da vingança. Podemos considerar o sangue, do título
nacional, como uma referência ao petróleo, bem como o título original, “Haverá
Sangue”, como um prenúncio da carga de violência junto ao desejo de lucrar.
Trilha sonora, figurino e fotografia também auxiliam na brutal imersão que a
obra causa, com sequências inesquecíveis. Um clássico contemporâneo.
Magnolia (1999) | Magnólia
Nota pessoal: 10 (perfeito)
Rotten Tomatoes: 83% | IMDb: 8/10 | Metacritic: 77% |
Filmow: 4.1/5
Comentário: Pessoas de uma mesma região, de Los
Angeles, têm seus segredos revelados enquanto suas histórias se cruzam por uma
série de acontecimentos coexistentes. Com mais de três horas de duração, Magnólia
não tem protagonista, mas vários núcleos, que ora ou outra interagem entre si.
Os personagens são complexos, bem construídos, densos, cheios de traumas,
ressentimentos e, principalmente, culpas. Há um prólogo, com um narrador
dissertando sobre as “coincidências” assombrosas da vida. Seriam obras do acaso
ou o destino se une por laços transcendentais? O absurdo não existe apenas no
cinema, mas ocorre, todos os dias, no mundo real, devido à multiplicidade de
eventos, com interferências climáticas, por exemplo, construindo ou desfazendo
pontes. Os demônios internos de cada um pesam insuportavelmente na consciência
– querendo se livrar das prisões da mente. Até que ponto um erro é perdoável?
Os dilemas vão movendo a trama de forma excepcionalmente dramática, o que exige
performances de altíssimo desempenho de todo o elenco. Destaco a montagem, com
seu ritmo bem particular, prendendo-nos em blocos longos intensamente
preenchidos, mantendo o pico de emoção com o auxílio da trilha sonora, e
intercalados por momentos de leveza. Sem dúvida, um marco na carreira de Paul
Thomas Anderson.
Filmografia
completa do diretor:
2021
- Licorice Pizza (Licorice Pizza)
2017 - Phantom Thread
(Trama Fantasma)
2014 - Inherent Vice (Vício Inerente)
2012 - The Master (O Mestre)
2007 - There Will Be Blood (Sangue Negro)
2002 - Punch-Drunk Love
(Embriagado
de Amor)
1997 - Boogie Nights (Boogie Nights: Prazer Sem Limites)
1996
- Hard Eight (Jogada de Risco)
FONTES: todos os filmes acima, em negrito; Wikipédia; Rotten Tomatoes; IMDb; Metacritic e Filmow; “Como Paul Thomas Anderson faz um filme”, do canal Gustavo Cruz, no YouTube; “A sede de PODER te deixa com o Sangue Negro (2007)”, do canal Elegante, no YouTube.
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