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sexta-feira, 8 de julho de 2022

RESENHA: Fragmentos Completos (de Safo de Lesbos)

 

Resenha de:

FRAGMENTOS COMPLETOS

DE SAFO DE LESBOS

 

8 de julho de 2022

Douglas Jefferson, bacharel em Filosofia


Safo (630/612-570 a.C.) - Gravado por F. Holl e publicado em "Mulheres Notáveis do Mundo", EUA (1858)


            Fragmentos Completos, de Safo, publicado pela Editora 34, com tradução e notas de Guilherme Gontijo Flores, traz à língua portuguesa toda a obra (sobrevivente) da poeta lésbia. Com tal edição, podemos ter um leve vislumbre do que os antigos tinham acesso: o corpus sáfico, organizado em 9 volumes pelos editores de Alexandria. Com o fogo e o tempo, sua poesia transcendeu os milênios, mas infelizmente nos chegou aos frangalhos. Seu nome fora tão grande que Galeno afirmou: “Se disserem que tal palavra foi feita pelo poeta ou pela poetisa, todos sabemos que o poeta é Homero e a poetisa Safo” ¹. Platão, grande filósofo grego, por sua vez, também elevou a poeta: “Nove são as Musas, dizem, mas quanto descuido! Safo de Lesbos será sempre a de número dez” ². Sua figura nos cativa pela beleza, sedução e mistério e segue a inspirar o imaginário, mesmo ficcional, de dramaturgos, pintores e sonhadores há séculos.

            Cabe, antes de mais nada, pontuar os méritos da edição, bilingue de grego e português, utilizada para a resenha. O livro se inicia com um belo texto introdutório, de Gontijo Flores, sobre o corpus da poeta, outras traduções e a presente edição. Na sequência, temos uma lista de sinais gráficos utilizados, a fim de nortear o leitor perante as muitas lacunas dos fragmentos; toda a obra, descoberta até agora, atribuída a Safo e organizada de acordo com a estimativa que se faz da edição helenística de seus 9 livros; fragmentos de localização incerta; alusões e referências de outros autores; comentários antigos; epigramas atribuídas e outros fragmentos, de autoria incerta entre Safo e Alceu. Há ainda um texto sobre os metros sáficos, explicando as medidas silábico-poéticas de cada um de seus livros; testemunhos da Antiguidade, onde temos acesso aos registros de comentadores do passado sobre quem foi Safo, etc.

            Sua biografia é escassa. Sabemos que ela foi poetisa e musicista, tendo composto poemas orais em dialeto eólico, e que viveu na ilha grega de Lesbos, provavelmente na capital, Mitilene, onde e quando também viveu o célebre poeta, suposto criador do verso alcaico, Alceu, entre os séculos VII e VI antes de Cristo. De sua música, nada sobreviveu – e toda e qualquer tentativa de performar Safo melodicamente não passa de uma recriação. Pelo que se supõe, ela tocava instrumentos líricos, como a lira, o bárbito e a péctis, todos mais ou menos semelhantes ao que conhecemos por harpa, embora menores. De seu som açucarado vem o gênero de suas canções, a mélica, que hoje classificamos como lírico, isto é, a poesia cantada ao som da lira. Com o passar do tempo, o lirismo passou a designar todo e qualquer poema centrado em um eu-lírico, uma persona poética que expressa sua subjetividade emotiva e sentimental em palavras organizadas em versos. Na época sáfica, no entanto, haviam subgêneros que separavam a lírica stricto sensu de outros tipos de canções, como a elegia, que nós, hoje, agrupamos no mesmo balaio, o gênero lírico. Outro ponto a se destacar: a materialização da poesia no papel, tal como somos familiarizados, não era habitual. O paradigma poético da época era oral, ou seja, os poemas eram declamados, cantados, intrínsecos ao som, à música. Esses poemas eram então decorados e passavam de geração a geração, por meio da fala. É bem possível, como destaca Gontijo Flores na introdução da edição, que muitos desses versos possam ter se originado antes ou depois da própria Safo, sobrevivendo oralmente no tempo em razão de seu prestigioso nome e da coerência formal e temática, que caracteriza a obra da poeta. Nisso, entendemos que Safo pode ter sido “incorporada”, enquanto arquétipo, por vários autores. A mesma hipótese pode ser feita com todo e qualquer poeta arcaico, mesmo Homero. De todo modo, um corpus sáfico foi preservado em papiros e vasos por séculos, ainda que a maior parte tenha se perdido, quiçá para sempre.

            A segunda parte de sua biografia, chamaremos aqui de hipotética. Não podemos confirmar esses dados, mas apenas supor que talvez haja algum grau de realidade. Por exemplo, pode ser que Safo tenha sido exilada em aproximadamente 590 a.C., na Sicília. Escritos antigos, posteriores à poeta, dizem que sua família era aristocrática e que seu pai se chamava Escamandrônimo e sua mãe Cleís, homônima à filha da poeta, além de três irmãos, Eurígio, Lárico e Caraxo, que dizem ter viajado para o Egito, a fim de comercializar vinho, e acabou se apaixonando por uma mulher chamada Dórica, que lhe causou a ruína econômica. Dizem também que Safo era morena e baixa e que lecionava em uma escola exclusiva para mulheres – e que também se relacionava sexualmente com suas alunas, tal como uma versão feminina da pederastia ateniense, onde mestre e aluno mantinham vínculos pedagógicos e amorosos ao mesmo tempo. Daí vem a palavra “lésbica”, em referência à ilha de Lesbos, mesmo sendo mais possível que Safo tenha sido bissexual, relacionando-se tanto com homens, tanto com mulheres. Há, por fim, quem tenha afirmado que ela, arrasada pelo amor não-correspondido de Fáon, um homem, tenha se atirado de um penhasco, mas dificilmente poderemos carimbar a veracidade desses relatos.

 

“Reverie (In the Days of Sappho)”, de John William Godward (c. 1904)

 

            De sua obra, resta-nos um único poema na integra, o Hino a Afrodite, e uma série de fragmentos, alguns em estado deplorável, não restando uma única palavra inteira, somente letras, outros com palavras e versos preservados e ainda alguns, raríssimos, com estrofes inteiras legíveis, embora incompletos. Durante a passagem de seus poemas para o papiro, os editores alexandrinos, por volta do século III a.C., optaram por dividir a obra em 9 livros, organizados de acordo com a métrica e o estilo dos versos.

Por exemplo, o Livro I era composto por poemas construídos naquilo que ficou conhecido como Estrofes Sáficas, isto é, três versos sáficos seguidos de um menor. Em termos rítmicos, um verso sáfico se faz do seguinte modo: (– u – x – u u – u – x), com “–“ significando sílaba poética longa; “u” significando sílaba breve e “x” significando que a sílaba pode ter breve ou longa. O ritmo do quarto verso, menor, se dá em: (– u u – x). Hoje, em português, entende-se o verso sáfico como um decassílabo, ou seja, verso de dez sílabas poéticas – que contam as unidades sonoras e não a gramática, além de contar até a última sílaba tônica da última palavra, com tonicidade nos versos 4, 8 e 10, dando o ritmo específico, que pode ser musicado.

Os demais livros, seguem métricas diferentes. O nono é o único a não seguir uma medida específica, mas um gênero lírico, o epitalâmio, que são poemas nupciais. Com o incêndio e a destruição da Biblioteca de Alexandria, muito de seu corpus pode ter se perdido, mas ainda restam citações diretas de copistas, modo de propagação que tornou possível nosso acesso indireto e parcial a alguns versos. Ainda no fim da Idade Média, parecem ter circulado muitas obras da musa lésbia, hoje mutilados nessas pequenas citações. É bem possível que seus poemas foram vistos como imorais, e por isso banidos e destruídos, por conterem lesbianismo e/ou bissexualismo. Por sorte, ora ou outra, surgem descobertas arqueológicas com novos fragmentos sáficos, então podemos crer que a qualquer momento cientistas revelem novos poemas – ou ao menos partes de poemas, como os encontrados em Oxirrinco, no Egito. Por isso, antes de começar a ler Safo, é bom conter as expectativas e ter em mente o estado de preservação de sua obra, toda fragmentária, a fim de evitar decepções.

            Entre seus temas, o culto à deusa grega do amor, Afrodite, é uma constante e aparece de múltiplas formas, senão diretamente ao menos em referência ao local onde a deusa é cultuada, tal como a ilha de Chipre. A deusa é convocada a auxiliar nos desejos amorosos de Safo e servir néctar às festividades, por exemplo. Entre os personagens de sua lírica, temos figuras mítico-lendárias, como Helena de Tróia e os deuses do Olimpo. Familiares, amigos, amantes e rivais também aparecem. Há muitos nomes femininos citados, provavelmente de jovens do círculo pedagógico-amoroso da poeta, sempre homenageadas afetivamente. Outra característica de seu conteúdo lírico são as descrições, imageticamente poderosas, com muitas metáforas, de sensações subjetivas, como o desejo e o ciúme. Como afirma Werner Jaeger em sua “Paidéia: a Formação do Homem Grego” (p.172): “A arte mais sublime de Safo reside na descrição das experiências íntimas com vivo realismo, sem nada de patético e com uma simplicidade análoga à das canções populares. Onde encontraremos na arte ocidental algo que, antes de Goethe, se compare a ela?” Para fechar, descrições do contexto estético lésbio, marcado pela valorização da natureza e do mundo mítico, também marcam sua poética.


“Sappho”, de Carl Joseph Aloys Agricola (1839) / “Sapho”, de Gustav Klimt (1888)

 

Logo a baixo, transcrevo os poemas que mais gostei, da edição de Albano Antunes e da tradução, base para a presente resenha, de Gontijo Flores, que não pontua os poemas, em respeito ao texto original grego. Optei aqui por pontuar arbitrariamente os versos, mantendo os sinais na cor azul, para facilitar uma primeira leitura. Sinta-se à vontade para ler sem as pontuações. Em sublinhado, deixo as construções conjeturais dos pesquisadores, que buscam completar as lacunas em palpites criteriosos, apoiados no metro padrão do verso, por exemplo. No primeiro exemplo, trago o Fragmento 2 para apreciação, onde Afrodite (referida aqui como Cípris) vem de Creta para a paradisíaca Lesbos, com suas macieiras, flores e cavalos, a fim de “libar o teu néctar diluído nas festas”. Gontijo destaca que a maior parte deste poema foi preservado em um jarro do século terceiro antes de Cristo:

 

FRAGMENTO 2 in Livro I

 

Vem de Creta a mim, para o santuário

Consagrado, até o teu belo bosque;

Junto às macieiras, o altar esfuma-

çado de incenso.

 

, uma água fresca a rugir nos ramos;

Entre as macieiras, é só penumbra

Da roseira e, no alvitremor das folhas,

Desce esse sono.

 

, cavalos pastam num amplo campo,

No vernal das flores, por onde os ventos,

Sons suaves, sopram [...]

 

, você, ó Cípris, [...] toma

E, graciosa sobre essas taças áureas,

Poderá libar o teu néctar dilu-

ído nas festas.

 

// Safo de Lesbos, com tradução de Guilherme Gontijo Flores

 

 

O próximo, vem da edição de Albano Martins, uma tradução “menos poética”, porém, mais clara. Nela, temos referências bélicas como padrão estético de muitos, em contraposição ao gosto de Safo, que relaciona o ápice da beleza com a pessoa amada. Há ainda trechos que aludem a histórias troianas, com Helena, esposa de Menelau, e Anactória, possivelmente uma das alunas do convívio da “musa mortal” de Mitilene:

 

FRAGMENTO 16 L-P

 

“O que de mais belo há

Sobre a negra terra

Dizem alguns que é

Um esquadrão de cavalaria; outros,

De infantaria; outros ainda,

Uma esquadra de navios.

Para mim é aquilo

A que cada um está

Preso pelo coração.

 

Fazer com que isto seja

De todos entendido

É o que há de mais fácil. Na verdade,

Helena, que em beleza

A todos muito suplantava, abandonou

O mais excelente dos homens, para Tróia

Navegou e, esquecida

Da filha e dos pais queridos, deixou [...]

 

Isso me traz agora à lembrança Anactória,

Que está ausente. Anactória cujo

Gracioso andar e brilho

Irradiante do rosto

Mais desejaria ver que os carros

De guerra dos lídios e os soldados

Com suas armaduras [...]”

 

// Safo de Lesbos, com tradução de Albano Martins

 

 

O Fragmento 47, preservado em citação por Máximo de Tiro em Orações 18.9, traz apenas dois versos, de uma beleza imagética arrebatadora:

 

FRAGMENTO 47 in Livro II

 

“O Amor me atravessou

A alma, como se vento do monte, em carvalhos, cai”.

 

// Safo de Lesbos, com tradução de Guilherme Gontijo Flores

 

 

Tithonus Poem, editado como fragmento 58C, é sobre a impossibilidade de deixarmos de envelhecer. A primeira estrofe, em dístico, exorta os jovens a seguir a “testude de cristalocanto”, que é a lira – feita com casca de tartaruga – de canto cristalino, segundo Gontijo Flores (p. 183). Depois, com descrições dos efeitos do tempo no corpo (joelhos frágeis, cabelos grisalhos), a poeta traz o mito de Titono, onde a imortal Aurora agracia seu jovem amado, Titono, com imortalidade, mas se esquece de conceder-lhe a juventude, fazendo com que o rapaz vivesse eternamente envelhecido. Sobre a última estrofe, há controvérsias sobre pertencer ao mesmo poema:

 

TITHONUS POEM (fragmento 58C) in Livro IV

 

Vocês deveriam perseguir dons das violetas Musas;

Seguir, ó crianças, a testude de cristalocanto.

 

Meu corpo, passado delicado, se envelhece à pele;

Grisalhos ficaram meus cabelos, que ondulavam negros;

 

Meu peito me pesa, ai! os joelhos o se firmam, frágeis,

Tão ágeis que foram para danças, como corças fortes;

 

Assim, amiúdo meus gemidos, mas por que motivo?

Pois é impossível prosseguirmos ininvelhecíveis...

 

Outrora, a Aurora, rosibrácea amorosa, alçara

Titono em seus braços e o levou rumo aos confins da Terra...

 

Pois, tinha beleza e juventude, mas velhice cinza

Também o tocou, mesmo ao fruir dessa imortal amada [...]

 

Eu amo a fineza, [...] pois, pra mim sim,

O amor concebeu todos fulgores que no Sol assombram.

 

// Safo de Lesbos, com tradução de Guilherme Gontijo Flores

 

 

A seguir, um fragmento de três versos, provavelmente epitalâmio, isto é, uma poética nupcial, onde a noiva é alegoricamente comparada à maçã mais difícil de colher:

 

FRAGMENTO 105A

 

“Como a doce maçã, que enrubesce no galho mais alto,

No alto do alto, e que o colhedor de maçãs esquecia –

Esquecia, não! mas nunca seria capaz de alcança-la...

 

// Safo de Lesbos, com tradução de Guilherme Gontijo Flores

 

Na sequência, eis o fragmento mais famoso de Safo, o Fragmento 31, na tradução de Gontijo Flores. Na obra, uma das mais belas conhecidas, Safo se derrete de desejo (e provavelmente ciúme) por uma garota, de “lindo brilho do riso” e “fala doce”. Na primeira estrofe, um homem se aproxima da garota amada e “degusta sua voz”. O eu-lírico, ao longe, descreve a cena e sente seu corpo colapsar: perde a visão e a audição, sente um fogo na pele, arrepiada, que se inunda em suor e a língua se lacera. No fim, Safo aparece como em náuseas, verde de enjoo, como se estivesse a morrer. Um triângulo amoroso, onde a terceira peça, a própria poeta, sofre de desejo (e talvez ciúme). Gontijo, em aula disponível no YouTube³, apresenta uma hipótese de interpretação: é possível que a garota tenha sido aluna-amante de Safo, que a deseja ardentemente, mas que, com o passar da idade, teve que se casar com um homem – sortudo como os deuses? Belo como os deuses? –, deixando a poeta desesperada, literalmente passando mal:

 

FRAGMENTO 31 in Livro I

 

Num deslumbre, ofusca-me igual aos deuses,

Esse cara que, hoje, na tua frente,

Se sentou, bem perto, e à tua fala

Doce degusta.

 

E ao teu lindo brilho do riso — juro,

Que corrói o meu coração no peito,

Porque quando vejo-te, minha fala

Logo se cala.

 

Toda a língua ali se lacera, um leve

Fogo surge súbito sob a pele,

Nada vê meu olho, mas ruge mais ru-

ído no ouvido.

 

Gela-me a água e inunda-me, o arrepio

me arrebata e resto na cor da relva;

Logo me parece que assim pereço

Nesse deslumbre [...]”

 

// Safo de Lesbos, com tradução de Guilherme Gontijo Flores

 

 

Por último, o Fragmento 1, mais conhecido como Hino a Afrodite, o único poema sáfico que nos chegou na íntegra. Na poesia, Safo convoca a deusa do Amor, Afrodite, pontuando que não é a primeira vez que a prece é atendida – por isso da repetição do termo “de novo”, para ajudá-la a conquistar (ou reconquistar) a pessoa amada. Os poderes afrodisíacos são, aqui, a chave para a conquista amorosa. Gontijo inicia sua tradução com o neologismo “multifloreamente”, buscando abranger vários sentidos do original, que pode significar “trono policromo”, “feitiço amoroso bordado em tecido” ou mesmo “mente-multicolorida”. Passado, presente e futuro se entrelaçam: a primeira estrofe aponta Safo, no presente, orando; depois, segunda e terceira estrofes marcam o passado, a partir do presente, com uma explosão imaginativa – a figura da deusa, em carro puxado por pardais, deixando o áureo lar de Zeus para imergir na atmosfera da Terra. Na quarta estrofe, fica evidente que Afrodite, no passado, havia indagado por que Safo sofre, ou seja, o pretérito do poema é uma repetição de outra “visita divina”, anterior ao que se narra. No quarto verso da quarta estrofe, voltamos ao presente: “Chamo de novo / e o que mais desejo que seja neste / louco peito”. Na sequência, que deixei em itálico, é Afrodite quem declama, dirigindo-se à musa mortal, que só volta a se pronunciar na derradeira estrofe. O futuro surge durante a fala da deusa, afirmando que, um dia, a amada cederá aos desejos sáficos. Eis um dos poemas mais antigos e belos de toda civilização ocidental:

 

HINO A AFRODITE (fragmento 1) in Livro I

 

Multifloreamente, Afrodite eterna,

Zeus te fez, ó roca-de-ardis, e peço,

Deusa, não permita que dor e dolo

Domem meu peito.

 

Venha aqui, se um dia, ao ouvir meu pranto

Longe, sem demora você me veio.

Logo que deixava teu lar paterno

Plenidourado.

 

Sobre o carro atado e pardais velozes,

Te levaram vários à negra terra,

Numa nuvem de asas turbilhonantes

Na atmosfera.

 

Junto a mim, no instante, você sorrindo,

Deusa aventurada de face eterna,

Perguntou-me por que de novo sofro.

Chamo de novo...

 

E o que mais desejo que seja neste

Louco peito. ‘– Quem eu, de novo, devo

Seduzir e dar aos amores? Quem, ó

Safo, te assola?

 

Pois, se agora foge, virá em breve;

Se presentes nega, dará em breve;

Se desama agora, amará na hora,

Mesmo que negue.

 

Venha agora, aqui, me livrar das longas

Aflições, conceda os afãs que anseio

Neste peito e seja aliada nesta

Linha de luta.

 

// Safo de Lesbos, com tradução de Guilherme Gontijo Flores


“Safo e Alceu”, de Lawrence Alma-Tadema (1881)

 

FONTES:

SAFO. Fragmentos Completos. Edição bilingue; tradução, introdução e notas de Guilherme Gontijo Flores. São Paulo: Editora 34, 2020 (2ª edição).

¹ Galeno in “Como os costumes da alma seguem os temperamentos do corpo 2”, citado por Gontijo Flores na edição sáfica utilizada, p. 628.

² Platão in “Antologia Palatina 9.506”, citado por Gontijo Flores na edição sáfica utilizada, p. 627.

³ Aula de Guilherme Gontijo Flores: Lírica Antiga — Aula 5, no YouTube.

MARTINS, Albano. O essencial de Alceu e Safo. Brasília: Imprensa Nacional, 1986.

JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2001 (4ª edição).

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