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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

ALFONSO CUARÓN: comentando a filmografia completa

 
13 de fevereiro de 2018
Douglas Jefferson, bacharel de Filosofia


fonte da imagem: filmow.com

            Alfonso Cuarón é um diretor mexicano, muito conhecido por suas obras mais recentes – tão premiadas –, como Gravidade (2013), que lhe rendeu o Oscar de direção, Filhos da Esperança (2006) e, mais recentemente, Roma (2018). Neste breve artigo, assim como fiz com Steven Spielberg, ano passado, pretendo analisar e comentar a arte envolta na filmografia deste cineasta, seus temas, valores, estilo. De início, me retenho em uma visão mais geral de sua obra; em seguida, acompanho filme por filme, do pior ao melhor, na minha opinião. Para aumentar o leque referencial, também deixarei aqui as notas que cada um dos trabalhos recebeu de alguns sites especializados em cinema, como o Rotten Tomatoes, o IMDb, o Metacritic e o Filmow, lembrando que essas avaliações podem se alterar ao longo do tempo devido aos novos pareceres de críticos e espectadores.
    Cuarón nasceu na Cidade do México no início dos anos 60. Apesar de ter sido expulso do Centro Universitário de Estudos Cinematográficos, em seu país, devido um curta-metragem feito em inglês (e não em espanhol, sua língua natal), a cultura mexicana persiste em aparecer em vários de seus trabalhos, desde detalhes, como o brasão mexicano, que se faz em pedra no filme Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004), canções clássicas do país, como Bésame Mucho, presente em Grandes Esperanças (1998), até contextos absolutamente imersos em sua cultura de origem, como ocorre em E Sua Mãe Também (2001), onde os protagonistas, ao viajarem de carro, encontram figuras, lugares e atmosferas características do México, e Roma (2018), longa inspirado nas memórias de infância do diretor, mergulhado no contexto histórico do país, na primeira metade dos anos 70, com sua tradição, contrastes, revoltas e nuances. O México, muitas vezes, está enraizado em profundos planos e escolhas de Cuarón.
    Uma característica muito presente em seus projetos está na fotografia, onde ele se vale em demasia da cor verde. Um verde-musgo, um verde-escuro, um verde-água, natural ou artificial, expresso em uniformes, acessórios, paredes, cenários. Talvez seja, outra vez, uma homenagem ao México, devido a presença do verde na bandeira. Talvez sirva para lhe cunhar um estilo visual; dar um tom específico às tramas ou simplesmente lhe agrada utilizar tal coloração. É bom lembrar aqui que Cuarón, enquanto diretor, tem a seu dispor uma gama riquíssima de profissionais. Sua arte está em aproveitar da melhor forma possível os talentos e instrumentos ao seu alcance para contar determinada história. A escolha final, do conjunto de cada obra, é dele, por isso a arte de cada película é creditada, em maior mérito, ao diretor, mas devemos ter em mente toda a equipe de produção e elenco. São centenas de pessoas que fazem a mágica acontecer, que transformam materiais avulsos e ideias em obras artísticas, com começo, meio e fim. Na fotografia, em pelo menos 6 de seus 8 longas, Alfonso contou com o talento de Emmanuel Lubezki, tricampeão do Oscar e uma das maiores referências mundiais quando o assunto é fotografia em cinema. Cuarón e Lubezki, privilegiando o verde e luzes naturais, regeram imagens impressionantes (algumas, creio, entraram para a História do cinema).
    O diretor faz da câmera o seu pincel e trabalha os enquadramentos com criatividade, eficiência e qualidade. Os personagens parecem preencher a tela do modo mais certeiro possível, sem descompassos, com uma profundidade e riqueza imensa nos entornos. Todo o fundo é muito bem trabalhado e nós podemos, caso assistamos os filmes mais de uma vez, ir capitando mensagens e significados. Para nos convidar a entrar na história, Cuarón usa recursos bem interessantes, como a câmera na mão, que simula a visão humana, não-linear, e planos mais intimistas, dentro de carros ou na gritante solidão. O “estar só”, em seus filmes, é sempre muito bem contado e interpretado. Outro recurso bem empregado nos coloca junto do protagonista, permitindo que nos surpreendamos junto dele, com planos-sequência bem longos. Esse “estar próximo” ao elenco, muitas vezes, choca, pois, o realismo que se vê não tem pudor. Somos levados por entre estradas, praias, trens, tudo com naturalidade. Um destaque que faço é em relação aos figurantes, sempre muito dignos, reais, palpáveis. Não parecem figurantes e sim pessoas reais, com suas vidas reais ali representadas – e, talvez, sejam. Há também contrastes, planos que passam rapidamente de uma emoção à outra, que deslizam do lúdico ao pânico, do banal ao extraordinário. Em E Sua Mãe Também (2001), há contrastes sonoros: o diretor, em certas cenas, silencia o áudio natural da história e insere uma narração.
    Entre seus temas, a crise imigratória, a sexualidade, o abandono paterno, entre outros. O diretor, além do talento dirigindo, também é um excelente roteirista. Ele e seu irmão, Carlos Cuarón, trabalharam juntos em muitas obras. Quando não escreve, costuma aceitar projetos vindos de adaptações literárias, como ocorre em A Princesinha (1995), Grandes Esperanças (1998), Filhos da Esperança (2006) e, o já citado, terceiro filme da série Harry Potter.
    Famoso por empregar a tecnologia de forma inovadora (e de tirar o fôlego), Alfonso também é mestre nos planos-sequência, que são tomadas únicas, sem nenhum corte na edição. Em Grandes Esperanças (1998), já sentimos um gostinho desta sua habilidade, mas é mesmo em Filhos da Esperança (2006), na famosa cena do carro – onde a câmera circula no interior do automóvel através de um aparato tecnológico de ponta –, e Gravidade (2013), na longuíssima cena inicial, que o recurso brilha em demasia. Trata-se dos melhores planos-sequência que já vi.
    Dito isso, fica claro o interesse em analisar e comentar a filmografia deste que é, ao lado de Alejandro González Iñárritu e Guillermo del Toro, um dos maiores diretores mexicanos – e do mundo. Deixo agora o meu comentário sobre cada um de seus filmes, até agora. 



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Sólo Con Tu Pareja (1991) | Amor em Tempo de Histeria


Nota pessoal: 6,8 (bom)
Rotten Tomatoes: 67% | IMDb: 7,0/10 | Metacritic: 61% | Filmow: 3.3/5



Comentário: Tomás, um Don Juan moderno, vive suas aventuras sexuais pouco se importando com aquilo que é certo, do ponto de vista de suas parceiras. Tudo muda quando seu resultado no teste de AIDS, adulterado por vingança de uma paquera recente, surge em seus dias. Esse longa de estreia do diretor, muito bem recebido no cinema mexicano, consegue misturar um humor sexual, adulto, com um romance, ao meu ver, pouco desenvolvido. Encabeçar os blocos de cena, como capítulos, se valendo de citações, funciona bem; assim como a parte técnica (a fotografia, já aqui, esbanja tonalidades de verde, bem características do cineasta), mas o roteiro, às vezes, lembra um pouco o exagero de algumas novelas mexicanas. Um Cuarón ainda imaturo, mas que pode divertir.

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Great Expectations (1998) | Grandes Esperanças


Nota pessoal: 6,9 (bom)
Rotten Tomatoes: 37% | IMDb: 6,8/10 | Metacritic: 55% | Filmow: 3.8/5



Comentário: Finn, ainda menino, conhece e se apaixona pela bela e rica Estella, que vive sozinha com sua avó, amargurada pelas decepções românticas. O garoto cresce, mas a paixão sobrevive, inspirando sua arte. Esta adaptação do clássico de Charles Dickens consegue encantar, seja pelos cenários ou pela presença quase celeste de Gwyneth Paltrow, cuja personagem prende o espectador toda vez em que aparece. Porém, falta profundidade, certa sinceridade, além do romance, em certos momentos, destoar do centro da trama, o que tira o equilíbrio da obra. Apesar das falhas, é um filme muito bonito, especialmente no plano-sequência de Finn a entrar e sair da exposição para então buscar Estella.

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A Little Princess (1995) | A Princesinha


Nota pessoal: 7,7 (muito bom)
Rotten Tomatoes: 97% | IMDb: 7,7/10 | Metacritic: 83% | Filmow: 4.1/5



Comentário: Uma garotinha, chamada Sara, vai para um internato em Nova Iorque enquanto o pai luta na Primeira Guerra Mundial. Querido por muitas crianças na época em que foi lançado – e, por isso, lembrado com muito carinho –, este clássico infantil traz alguns elementos da Índia, onde a princesinha do título morava, denuncia o contraste de tratamento a depender da classe social e nos leva à uma aventura mágica, que mistura a fantasia das histórias contadas com a crueza da realidade. Destaco aqui a fotografia de Lubezki, outra vez fazendo o verde predominar.

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Harry Potter and the Prisoner of Azkaban (2004)
Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban


Nota pessoal: 8,7 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 90% | IMDb: 7,9/10 | Metacritic: 82% | Filmow: 4.2/5



Comentário: Harry Potter está em seu terceiro ano letivo na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Desta vez, precisa enfrentar o perigo iminente do encontro com um fugitivo da prisão de Azkaban, um bruxo das trevas que, por alguma razão, deseja encontra-lo. Tido, por muitos, como o melhor filme do Universo criado por J.K. Rowling, tudo aqui funciona muito bem, em especial os efeitos visuais (a cena do voo do hipogrifo é belíssima, fantástica) e a trilha sonora, da lenda magna das músicas para cinema, o maestro John Williams, não deixa a desejar, entregando um trabalho rico, inspirado, sublime. Em minha opinião, é a obra mais bem dirigida da saga. Cuarón, neste filme, traz tonalidades e inovações que vão marcar toda a série, desde a atmosfera mais sombria até lugares. Enfim, um trabalho feito com maestria e que aborda muito bem a fantasia pelo viés abstrato, como a questão do tempo, das criaturas e mesmo do ônibus mágico, com sua extravagância cômica e acelerada.

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Gravity (2013) | Gravidade


Nota pessoal: 8,9 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 96% | IMDb: 7,7/10 | Metacritic: 96% | Filmow: 3.9/5
Oscars: melhor diretor, melhores efeitos visuais, melhor fotografia, melhor edição, melhor edição de som, melhor mixagem de som, melhor trilha sonora.



Comentário: Durante uma missão espacial para reparar o telescópio Hubble, dois astronautas se veem no meio de uma nuvem de detritos, em alta velocidade. Neste premiado filme, Alfonso usa e abusa dos recursos tecnológicos e monta um retrato extremamente realista do espaço. Tão realista que, quando o perigo chega, assusta. Tudo é muito bem orquestrado: as atuações, o posicionamento das câmeras, a música, efeitos sonoros, etc. O plano-sequência, no início, é avassalador. Há muito suspense, uma tensão crescente, um visual da Terra, vista do espaço, de encher os olhos.

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Roma (2018) | Roma


Nota pessoal: 9,0 (excelente)
Rotten Tomatoes: 96% | IMDb: 8,0/10 | Metacritic: 96% | Filmow: 4.2/5



Comentário: No distrito de Roma, no México, Cleo, uma empregada doméstica, é o centro da trama. Ela cuida de quatro crianças, além dos serviços diários na casa. Inspirado na infância do diretor, que aqui também toma o roteiro, a edição e a fotografia, Roma é uma delicada narrativa que nos força a reparar na vida, nas dores e angústias de uma personagem que simboliza muitas pessoas reais, muitas empregadas, cujas histórias não conhecemos. Aqui, a própria casa, carregada de antigas memórias de Cuarón, é um personagem rico, detalhado. Rodado todo em preto-e-branco, a obra nos transporta aos anos 70, em um México conturbado e realista. Cada personagem, cada lugar e mesmo cada figurante transpiram realismo, o que nos dá a sensação de estarmos a ver a vida real acontecer, como se fôssemos espíritos a espiar uma família e sua época. Tanto realismo, para muitos, pode pesar e cansar, mas, àqueles que conseguem imergir, cada sorriso e lágrima vale a pena.

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Y Tu Mamá También (2001) | E Sua Mãe Também


Nota pessoal: 9,1 (excelente)
Rotten Tomatoes: 92% | IMDb: 7,7/10 | Metacritic: 88% | Filmow: 4/5



Comentário: Dois jovens, Julio e Tenoch, ambos de classe média alta, conhecem Luisa, uma espanhola, esposa do primo de Tenoch, e a convidam para uma viagem de carro rumo ao litoral. Este road movie, que mostra diversos cenários do México, desde praias paradisíacas ao subúrbio, não tem pudor. O filme ilustra a sexualidade como ela é, impulsiva, curiosa, insegura. Há cenas de nudez explícita. Essas escolhas denunciam um diretor muito mais maduro do que em Sólo Con Tu Pareja (1991), que também centrava no sexo um dos eixos do roteiro. A cena de Luisa dançando, olhando para a câmera e, depois, se voltando aos dois jovens, é belíssima. Há muitas camadas por trás das intenções e reações de cada personagem, muito bem construído. No final, todos esses significados ganham novas e interessantes roupagens.

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Children of Men (2006) | Filhos da Esperança


Nota pessoal: 9,3 (excelente)
Rotten Tomatoes: 92% | IMDb: 7,9/10 | Metacritic: 84% | Filmow: 3.9/5

Comentário: 2027, um futuro distópico onde as mulheres, de repente, se tornaram inférteis, pararam de ter filhos. Tal cenário levou ao caos social, um mundo repressivo, violento, onde o Reino Unido, militarizado, luta para impedir a onda massiva de imigrantes. Theo, um ex-ativista, encarna aqui o protagonismo quando sua antiga esposa, após anos, ressurge e lhe oferece uma missão, por dinheiro: levar uma refugiada, peça central da trama, para a costa do país (os motivos são spoilers). Todo o filme carrega uma aura de instabilidade, vandalismo e guerra, embora, ao mesmo tempo, consiga ser visualmente charmoso e, acima de tudo, atual. Suas discussões, acerca da questão migratória, ecoam mais em nossos dias do que na época em que o longa foi lançado. Um mundo sem crianças; um mundo dividido, duro, cru. E tudo isso retratado magistralmente por Alfonso Cuarón. Os planos-sequência no final, em meio à guerra, e na cena do carro em movimento, que joga nossas emoções de um extremo a outro, são algumas das melhores da História do cinema. Vale a pena conferir.

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The Films of Alfonso Cuarón from Edgar Martinez on Vimeo.

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Filmografia completa do diretor:

2018 - Roma
2013 - Gravity (Gravidade)
2006 - Children of Men (Filhos da Esperança)
2006 - Paris, Je t’aime (Paris, Eu te Amo) *vários diretores
2004 - Harry Potter and the Prisoner of Azkaban (Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban)
2001 – Y Tu Mamá También (E Sua Mãe Também)
1998 – Great Expectations (Grandes Esperanças)
1995 – A Little Princess (A Princesinha)
1991 - Sólo Con Tu Pareja (Amor em Tempo de Histeria)


FONTES: todos os filmes acima, em negrito; o artigo “Alfonso Cuarón: um exímio contador de histórias” por Luís Gustavo, no site Cinema com Rapadura; o vídeo “Alfonso Cuarón: Las claves para entender su estilo” do canal Zoom f7; Wikipédia; Rotten Tomatoes; IMDb; Metacritic e Filmow.

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