As filosofias de Maurílio
Professor relembra momentos de sua carreira religiosa e profissional  
Fotografia:   Kas Hoshi.
“Ser
 educador é uma missão elevada e revolucionária, é um processo de 
correção dos caminhos”, é dessa forma que Maurílio José de Oliveira 
Camello, natural de Mariana, Minas Gerais, relata o início de sua 
vocação como professor ao longo de mais de 70 anos de história, 
incluindo seu período de sacerdócio, onde lecionou em diferentes 
cidades, enfrentando as dificuldades da época.
Maurílio logo 
inicia a conversa falando de Mariana, com carinho em seu semblante. Sua 
cidade natal, apesar da tragédia que ficou conhecida, o faz relembrar 
sua infância ao lado dos irmãos nos arredores de Bento Rodrigues, onde 
além de brincar, se tornou coroinha na igreja, vocação que já começava a
 aparecer desde muito cedo. 
Originário de uma família humilde, 
por vontade própria decidiu se integrar ao Seminário Menor com onze anos
 de idade, onde cursou o ensino fundamental e médio durante seis anos. 
“O seminário era uma casa de formação muito conceituada, de alta 
qualidade, onde abrigava as crianças que queriam seguir a vida 
religiosa. Ou que achavam que queriam”, conta o mineiro esboçando 
sorrisos.  
Ao completar dezessete anos, se mudou para Petrópolis,
 no Rio de Janeiro, com o objetivo de se tornar sacerdote de uma 
congregação e missionário, que despertou muito orgulho em seus pais. 
“Minha família fez gosto pela minha escolha. Éramos pobres, portanto, 
para um pai e uma mãe ver seu filho seguindo esse caminho religioso, 
dava mais segurança. Era uma coisa lendária e importante.” 
Chegando
 a seu destino, Camello passou cerca de oito anos cursando Filosofia e 
Teologia, ficando um longo período longe dos pais e de seus dez irmãos, 
que na época não possuíam recursos financeiros para visitá-lo em outro 
Estado. “Foi um momento difícil, muito penoso. Uma família grande do 
interior, naquela época, anos 50, não existia transporte como hoje, 
apenas trem.”, recorda.  
A vida foi sendo guiada pelos seus 
ensinamentos e estudos após sua formação. Foi professor de latim e 
português, até o colégio que lecionava pegar fogo, destruindo além da 
estrutura, os sonhos de todos aqueles jovens professores. Desempregado, 
viu a luz no fim do túnel ao conseguir uma oportunidade única - morar em
 Roma. O respeito e admiração pelo Vaticano, que já era grande, se 
tornaram ainda maior ao se integrar na Universidade Gregoriana, onde se 
formou em História do Cristianismo. 
Após os períodos de 
especialização, Maurílio voltou ao Brasil decidido a abdicar, ou 
“secularizar” - como o próprio denomina - a carreira de padre. 
“Passei
 por uma crise pessoal, onde vi que não conseguia segurar a ‘barra’ que 
precisava para continuar. Pretendia segui-la [doutrina] pela vida toda, 
mas acabei tomando essa decisão por vontade própria”, explica.  
Se
 a desistência poderia parecer algo espantoso para todos ao redor, o 
destino reservava mais surpresas. Ele se apaixonou e logo casou. Sua 
esposa, também professora, já tinha três filhos, e após um período se 
tornou pai pela primeira vez. “Tornei-me um homem da vida civil e foi 
uma ótima experiência. A paixão, sem dúvidas, me fez cometer essa 
loucura”, comenta de forma espontânea. 
Com a responsabilidade de 
oferecer uma vida estável, precisou mudar de cidade, pois continuou 
lecionando, passando por São Paulo, Santos, depois em Brasília e Belo 
Horizonte. “Eles se mudaram por conta do meu trabalho, não havia um 
lugar fixo, tivemos que nos adaptar na marra em cada localidade.”, 
ressalta.  
Como o período da ditadura militar foi cercado de 
muita censura e temor pelos educadores da época, especialmente para 
aqueles que falavam de História, Filosofia ou Sociologia, os conteúdos 
eram restritos. Mesmo assim, o mineiro seguia trabalhando. “Determinados
 assuntos não podiam ser citados, mesmo despertando dúvida e curiosidade
 nos alunos.”, explica. 
Entretanto, a angústia de perder o 
trabalho era sempre presente, visto que suas aulas eram vigiadas e 
acompanhadas pelo diretor e por militares, resultando em uma sensação de
 instabilidade. “Com quatro crianças, despesas grandes... Foi um desafio
 preocupante.” 
Apesar dos obstáculos, deixar a área da educação 
nunca passou por sua cabeça. É visível que o dom que Maurílio leva até 
hoje, é alimentado de amor.   
Passando onze anos na Universidade 
de Taubaté e atualmente ministrando aulas na Faculdade Dehoniana, alunos
 param nos corredores da instituição para conversar ou receber um abraço
 afetuoso - o afeto é retribuído, contudo, prefere não ser adepto a 
menção honrosa de “mestre” ou “doutor”; se considera um ser humano 
comum, porém, sem perder a cordialidade facilmente percebida.  
“Ele,
 além de excelente educador, é um amigo sempre próximo e solícito aos 
estudantes. Muitos, incluindo em grande parte ex-alunos, veem nele uma 
figura inspiratória.” afirma o aluno Douglas Jefferson. 
Mesmo 
possuindo grandes experiências, tudo isso só importa para Camello se 
houver uma troca real. “Eu faço diferença entre ser educador e 
professor. Sempre estudei, porém, ser professor agora virou algo 
técnico. O educador, para mim, tem uma missão de caráter espiritual com o
 educando”. 
Com 77 anos - completando mais um ano de vida no 
próximo mês de dezembro - e com uma alma jovial apreciadora de poesia, 
teatro e música, Camello diz que sabe que a hora da parar já passou. 
Todavia, acentua que o que lhe move é ensinar. “Já estou idoso. Mas 
sinto um brilho humano, a possibilidade de guiar caminhos através da 
educação que posso transmitir".

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