ENTREVISTA
com a atriz e apresentadora Renata Sayuri
26
de maio de 2023
Douglas Jefferson, bacharel em Filosofia
Fotógrafo:
Danilo Apoena.
Renata Sayuri, natural de Taubaté,
São Paulo, é apresentadora, atriz e modelo. Tornou-se um ícone da geração
infantojuvenil, no início do novo milênio, ao interpretar Kira, apresentadora
do programa Band Kids, fenômeno de audiência, responsável por introduzir
no Brasil alguns dos animes de maior sucesso internacional, como Dragon Ball Z.
Foi também âncora do Guia Brasil, pela IPCTV, e do jornal SP Notícias.
Sua carreira na TV tem início em
fins dos anos 90, com o programa Fantasia, do SBT, onde também atuou nas
novelas Pequena Travessa e Revelação. Na Rede Globo, fez papéis
nos seriados Sítio do Picapau Amarelo, especificamente no episódio “O
Pequeno Samurai”, Toma Lá, Dá Cá e O Super Sincero, exibido
dentro do Fantástico, além de Um Só Coração, onde interpretou a
enfermeira de guerra Rita Fujihara, e a décima oitava temporada de Malhação.
Pela HBO, atuou em Mandrake; e pela Fox, em 9mm: São Paulo. No
cinema, integrou o elenco de Jogo Subterrâneo (2005), Estação
Liberdade (2013) e Deixe-me Viver (2016).
Atualmente, vivendo em Cruzília, nas proximidades de São Tomé das Letras, Minas Gerais, concedeu uma generosa entrevista ao nosso blog, onde detalha sua infância, os primeiros envolvimentos com as artes, a composição do “fenômeno Kira” e um pouco de seus gostos pessoais, na literatura e no cinema. Confira a transcrição da conversa, a seguir:
DOUGLAS:
Primeiramente, muito obrigado pelo tempo. Sabemos
que você é natural de Taubaté, São Paulo. Como foi sua infância?
RENATA: Oi,
Douglas. Bom dia. Eu sou sim, natural de Taubaté. A minha infância, ela foi bem
legal, bem especial [...]. Eu fiquei pouco em Taubaté, na verdade, [3 ou 4
anos], quando criança, e depois fui para Atibaia, onde nasceram as minhas duas
irmãs mais novas. Mas eu tenho muita recordação de Taubaté, [onde nasceram] eu
e minha irmã mais velha. Somos quatro, de pai e mãe, meninas. [...] Depois, fui
para São José dos Campos, onde vivia a maior parte da minha família japonesa [...].
Em especial, com Taubaté, a não ser aquelas coisas que a gente tem com a
família, com a casa, com os vizinhos [...], eu tenho muito com o espaço de
Monteiro Lobato, com a Festa do Quiririm [...]. E eu me lembro muito do
McDonalds, cara, você acredita nisso? [...] Porque, todas as vezes em que a
gente voltava para Taubaté, a gente passava no tal do McDonalds. Na vida
familiar não muda nada, pra gente é só mais um dia na nossa vida, mas isso é
uma coisa que me faz lembrar, porque não tinha em Atibaia [...].
Atibaia
é uma cidade muita próxima à São Paulo, [...] lindíssima, com um clima
fenomenal, uma qualidade de vida fantástica, mas uma cidade menorzinha [...].
Foi muito linda a minha vida lá também, com muito esporte. Eu joguei vôlei,
desde muito novinha [...]. Eu acordava 5h30 da manhã, ia correndo para o
estádio da cidade, o Elefantão, e já começava meu treino saindo de casa. Eu ia ou
caminhando ou fazendo já a minha corrida. E depois já fazia as minhas oito
voltas no estádio de esportes. E o ar que se respira lá
é tão fantástico, tão lindo, que você se acostuma com esse prazer, com essa
benevolência do clima. Tinha muitos amigos: era a rua de cima, a rua
debaixo, e o sobradinho, né? Era tipo umas cinquenta crianças, mais até, ali no
bairro da ponte. Nós vivíamos de maneira muito solta, a gente fazia de tudo,
desde empinar pipa, brincar de rolimã, brincar de polícia-e-ladrão [...].
“Esse momento foi muito difícil pra
mim, pelo que me lembro da infância. Porque havia um silêncio. Aquilo era
velado”.
Quando
fui pra São Paulo, [...] tive que estudar em [escola] particular, porque eu não
me sentia à vontade em uma escola pública da cidade de São Paulo. Eu sempre fui
acostumada em escolas de cidades menores, onde é diferente o contexto [...]. Eu
tinha uma amiga, na minha escola, que tinha encefalomielite e todos os alunos,
sem exceção, se vissem ela pelas escadas, davam a mão pra ela descer ou subir.
Isso foi só a minha construção básica, dentro de uma escola pública. Então, eu
tive essa educação, eu aprendi dessa forma, convivi com pessoas que aprenderam
dessa forma, dentro da escola pública [...]. A gente não tinha essas coisas do bullying,
problemas da cidade grande. A gente não lidava com essas coisas. Tínhamos,
talvez, outros problemas: pobreza, às vezes. Lembro muito do Plano Collor: a
gente saber que um conhecido nosso tinha se matado. Esse
momento foi muito difícil pra mim, pelo que me lembro da infância. Porque havia
um silêncio. Aquilo era velado. Os pais tomavam cuidado pra não deixar isso
escapar para os filhos.
Fotógrafo: Silvio Bonadia.
DOUGLAS:
E os primeiros contatos com as artes?
RENATA: Tinha
um artesão na porta da minha escola, que fazia coisas em bambu. Ele fazia
faquinha, garfinho, panelinha... E eu tinha um dinheirinho, que minha mãe me
dava, como dava para minhas irmãs – sempre tudo era igual, pra comprar alguma
coisa na escola. [...] Então eu sempre ganhava um dinheirinho e o dinheirinho
sobrava, porque eu ia comprar doce-de-leite, que era mais barato. E eu ia nesse
moço artesão e ficava ali assistindo [...] muito tempo [...] ele fazer as
coisas. [...] Um dia, peguei um plástico de papel primavera, que tinha em casa,
recortei as flores e fiz uma colagem em uma tampa de Neston, ou de Ninho, da
minha irmãzinha mais nova [...]. A minha outra irmã [...] levou na escolinha
dela [...] e a amiga dela quis comprar. Tiveram outras [ainda], que quiserem
comprar [...]. Aí eu descobri que aquilo tinha valor, aos olhos das outras
pessoas: aquilo que eu fazia, aquilo que eu criava, aquilo que eu inventava. E
eu inventava aquilo com amor, com verdade, preenchendo meu tempo com uma coisa
que eu sentia boa no meu coração. Eu acho que foi ali que descobri que tinha
vontade de fazer artes [...]. [E também com] a aula de educação artística, a
desenvoltura com desenhos, o amor e o prazer que se tem nessa aula [...].
DOUGLAS:
Seu início no meio televisivo ocorreu no programa “Fantasia”,
do SBT. Como você vê, hoje, a Renata daquele tempo? Na época, já imaginava que
caminhos profissionais seguir?
RENATA: Essa
pergunta é boa, porque ela me faz pensar muito. Tenho até um texto escrito a
respeito, com 50 páginas. Foi quando terminou o programa Fantasia. Tinha
17 anos e escrevi esse texto. Com 42 anos, vejo uma pessoa [daquela época] com
muita verdade, sincera mesmo, com muita confiança, humana, cheia de fé, uma
menina amiga. Se já imaginava os caminhos profissionais naquela época? Não. Ia
estudar Jornalismo, depois. Comecei como amadora no teatro, naquela época. Mas
acho que só consolidei isso com vinte e poucos anos de idade. Uma coisa é
trabalhar, outra coisa é entender aquilo que você tem aptidão mesmo e paixão
para fazer [...]. Com Kira, eu tinha paixão pelas crianças, que eu nunca deixei
de ter. Eu sofria muito para criar a personagem, porque era difícil para mim. [...]
Hoje, consigo entender que acertei muito, mas sem saber que estava acertando. Sentia
muito medo de estar errando [...]. Quando a gente fala de necessidade de ganhar
dinheiro, é uma coisa; quando a gente fala de nossos dons ou aptidões, é outra
coisa. Com pouca idade, não dá pra entender ainda. A gente tem que saber se
colocar no mundo, entender que mundo existe pra gente, pra depois a gente
consolidar alguma coisa [...].
DOUGLAS:
Renata, você se tornou grande conhecida do público
no início do milênio, ao interpretar a Kira, apresentadora do célebre programa
infantojuvenil “Band Kids”, da Rede Bandeirantes. Como foi o processo de
composição da personagem, tão amada e relembrada (até hoje) com muito carinho
por toda geração?
RENATA: Todos
os trejeitos de Kira foram criados por mim. A voz da Kira foi criada por mim,
foi desenhada por mim. Fiz isso lendo muito mangá, assistindo desenhos. Gostava
muito de Cavaleiros do Zodíaco. Gostava muito de alguns outros que
tinham acontecido antes, que eram da televisão aberta, porque eu não tinha
outros acessos. Com esse estudo, desses trejeitos, juntando o que nós tínhamos
de nacional e o que era referência no Japão, [pensei]: “Vou trazer um meio-termo,
uma possibilidade de fácil-acesso pra quem era brasileiro, um público maior,
sendo simples, muito próximo da pessoa que eu sou, pra poder expressar de uma
maneira verdadeira, com energia, com luz, mas colocando sempre uma pitada, um
trejeito aqui, um jeitinho ali, [...] inclusive do próprio Dragon Ball e dos [demais]
desenhos que nós transmitíamos”.
Teve
um período em que a Kira passou a ter uma saga. E esse argumento, quem criou,
fui eu. Eu e o superintendente da Band passamos para o roteirista do programa.
O argumento original tinha a ver com a mandala sagrada etc. E foi uma história
que eu trouxe, inclusive, aqui de Minas, onde estou hoje, em São Tomé das Letras. [Fiz um] storyboard,
quadrinhos, e mostrei ao superintendente da Band: “Eu gostaria que a gente
tivesse uma história da Kira”. A princípio, a Kira era uma guerreira, e eu
achei forte [ela] ser uma guerreira, porque descompromete muita coisa. Queria
uma aprendiz de guerreira. No início, [...]
eu torci o cabelo da Kira, porque era uma homenagem que eu fazia à Chiquinha.
Poucas pessoas vão se lembrar. [Ela] tinha o cabelo torto, que nem o cabelo da
Chiquinha, numa certa temporada. Depois que mudou. Por quê? Porque ela era uma
aprendiz de guerreira: ela pode errar. E isso era importante pra mim. Era
importante que a Kira fosse uma aprendiz e que a gente pudesse refletir sobre
isso.
Personagem
Kira, apresentadora do Band Kids. Créditos: Rede Bandeirantes.
Aí,
depois, toda a equipe trouxe, na parte das ideias. O livro da aprendiz... Teve
um Natal da Kira, que foi muito bonito [...]. Foi muito importante também que
eu colocasse minhas vontades nesse sentido, né? Minhas vontades como pessoa
criativa, porque às vezes eles não estavam prestando atenção que isso fosse
necessário e que eu tivesse essa vontade. A história do Yuki mudou algumas
vezes. O Grande-Olho tinha uma limitação, um boneco que era fixo, embora a
gente tivesse a voz do Tatá, que era uma voz incrível. [Ele] tinha uma função
meio de “o cabeça”, “o crânio” da história, [mas] não tinha movimentação, né?
Então, ele já tinha uma certa limitação como personagem, digamos. Mas a Kira já
tinha essa movimentação, essa possibilidade. A partir da Kira, os outros também
ganhavam mais possibilidades, né? E as histórias ficavam mais ricas. A gente ia
preenchendo aquele momento que a gente tinha lá com nosso espectador, com mais
beleza, com mais informações, com mais possibilidade, aí era bem legal.
“Eu recebia 40 mil e-mails por dia, e
50 mil cartas à mão por mês, durante todo o percurso do programa”.
[A
Kira] é um trabalho do qual eu tenho super orgulho. Acho que vou sempre ter. Os
fãs de Kira vão ficar comigo, acho que para o resto da minha vida. Acho que deu
certo porque eu nunca caí em tentação, por exemplo, em um momento de
dificuldade material ou de carreira, como alguém me convidar para fazer alguma
intervenção com relação à Kira, ou falar para ganhar algum tipo de dinheiro,
dentro de um contexto que eu não aceitasse ou não concordasse. Eu não iria
desvirtuar um trabalho tão bonito, um contexto tão certo [...]. Eu nunca dei
entrevista a respeito de Kira, na vida. Agora que estou começando a falar sobre
Kira. Porque hoje eu tenho segurança, não só com relação aos lugares, como o
“como, onde e porquê”. Eu acho muito precioso, esse personagem, para mim e para
toda a equipe. E eu acho que represento toda a equipe. Eu não posso fazer ou
agir de qualquer forma [...]. Represento toda a “Liga do Bem”, todas as pessoas
que nós tocamos naquela geração, né? Esse tipo de repercussão, eu conheço e,
tenho certeza, levo para o resto da vida. Imagina... Eu
recebia 40 mil e-mails por dia, e 50 mil cartas à mão por mês, durante todo o
percurso do programa [...].
DOUGLAS:
Sabemos também que você atuou em papéis de destaque
na teledramaturgia brasileira, entre novelas e seriados, além de filmes e peças
de teatro. Quais dessas personagens mais te deixaram saudade?
RENATA: É
difícil falar qual personagem que deixou saudade. Eu gosto de todos [...]. Se
eu penso em cada um, eu me apaixono por cada um de novo. Eu procuro não me
apegar, porque eles acontecem em um determinado dia, em determinado contexto e
depois eles vão embora, né? Mas, qual deles... Não tenho mesmo um preferido,
não. Eu acho que é aquele que eu vou fazer, ainda [...]. Durante muito tempo,
pensei que tinha gostado [mais da] Rita Fujihara, que fiz em Um Só Coração,
quando entrei na Rede Globo. Porque a minha avó era professora de enfermagem, e
eu fiz uma enfermeira durante a guerra. E, cara, aquilo era uma oportunidade de
homenagear minha família, minhas origens japonesas. Isso me emocionou muito.
Quando penso na oportunidade, falo: “Nossa, Deus é um cara muito legal comigo”.
Mas qualquer outro personagem, também, se pensar um pouco mais, fico muito
grata.
DOUGLAS:
E quais foram as mais difíceis de interpretar?
RENATA: O
papel mais difícil de fazer foi uma participação num filme, Estação
Liberdade, do diretor Caíto Ortiz. A minha personagem não tinha nem nome,
no filme. Estava no roteiro já para sexo [...]. Personagem foi simples, eu
sabia fazer, mas foi o trabalho mais difícil que realizei, porque não tinha nem
lugar pra deitar, não tinha nem sofá [...]. E era frio, lá no Centro da cidade,
dentro do metrô. Eu estava ganhando depois de um mês, depois que tivesse feito
o trabalho. Eles chamam de cinema de baixo orçamento. Ou seja, ganhando diária
de figurante. Tipo: “Estou pagando para trabalhar”. Pra você ver a paciência
que a gente tem, sabe? Maus-tratos mesmo. [...] Fiquei muito satisfeita com o
trabalho como artista, como atriz, [mas] fui muito maltratada do início ao fim
[...]. Aliás, foi esse o único trabalho que me incomodou na vida. O resto, tudo
foi tranquilo.
“Eu gosto de comer com a equipe [...].
Eu não vou comer caviar enquanto todo mundo está comendo arroz com feijão”.
Quando
trabalhava na Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo, fui jornalista de
um jornal chamado SP Notícias. Fui âncora
com muito orgulho, da gestão do Haddad. Aí, na produtora, onde faziam esse
jornal, eram japoneses, né? E tinham essa metodologia de trabalho: na hora de
comer, todo mundo senta no mesmo lugar, todo mundo come igual. Comida é boa pra
todo mundo, desde o chefe até quem faz a limpeza. [...] Eu gosto desse jeito de
trabalhar. E quando eu fazia a Kira, era a mesma coisa. Eles perguntavam pra
mim: “Você quer alguma coisa do camarim? Quer comida?”, e eu: “Não, imagina! No
intervalo, eu vou lá”. Não dava tempo de tirar toda a roupa, porque dava muito
trabalho tirar toda a roupa de Kira, maquiagem e tudo, e eu ia de Kira mesmo,
sentava no bandejão lá da Bandeirantes, comia arroz, feijão e bife, o que
tivesse lá de comida. Eu gosto de comer com a equipe
[...]. Eu não vou comer caviar enquanto todo mundo está comendo arroz com
feijão. Pra mim, não interessa. Eu tenho satisfação em comer ao lado do
povo.
DOUGLAS:
Fiquei sabendo, nos bastidores, que você também
escreve. Qual gênero literário mais te apetece? Pensa em publicar livros, no
futuro?
RENATA: O
gênero? Eu não tenho muito disso, não... Depende muito da hora, do momento. Eu
acho que, hoje em dia, estou gostando muito de biografia. Eu gosto de coisas
que me fazem pensar. Tenho menos interesse, hoje em dia, por romances, essas
coisas – eu leio também, mas eu gosto mais de procurar coisas filosóficas. Não
gosto muito de ficções que não tenham um motivo, uma ironia, uma crítica
social, uma intenção, uma paródia, enfim, naquilo que está sendo produzido. E
sim, eu penso em publicar [livros] no futuro, sim.
DOUGLAS:
Para finalizar, poderia nos indicar alguns de seus
filmes e livros favoritos? E o que você anda lendo atualmente?
RENATA: Ah,
filme, eu gosto de Odisseia no Espaço, “2001”, né? Gosto de
Kurosawa, Sonhos. Gosto daquele filme, Cerejeiras em Flor, aquele
alemão. Ah, tem vários. Se não vou ficar aqui horas (risos)... E livro, eu
gostei de ler a biografia do Jung, nos últimos tempos. Gosto de Fernando
Pessoa, gosto de poesia, em geral. Cem Anos de Solidão... Grandes
Sertões... Ah, eu tenho uma lista de coisas que eu gostaria de ler. São
livros que tenho certeza que seriam incríveis, mas que não tenho oportunidade
agora. [...] Eu não estou em uma fase em que estou lendo coisas novas, então
não tem como indicar uma coisa atual, sabe, em que eu falaria: “olha, nesse
momento seria bom ler esse livro aqui...”
Exemplo da escrita
autoral, de Renata:
-
Fotógrafo:
Matheus Prestes.
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