Resenha de:
MACUNAÍMA:
O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER
DE MÁRIO DE ANDRADE
16 de fevereiro de 2025
Douglas Jefferson, bacharel em Filosofia
M acunaíma, por Carvall.
Macunaíma: o herói sem nenhum caráter, publicado em 1928 pelo escritor polímata modernista Mário de Andrade, é uma obra-prima da literatura brasileira, sendo debatida e comentada ao longo de mais de noventa anos. Sendo um romance rapsódico sui generis, sua importância histórica se dá no rompimento com os padrões importados, mergulhando na cultura e no folclore genuinamente brasileiros, com centenas de referências típicas dos mais diversos povos nacionais, da afrodiáspora às comunidades indígenas. O livro é uma amálgama policromática e cacofônica, um carnaval de eventos mágicos, lúdicos, escrachados e, também por isso, subversivo, revolucionário. Dividido em 17 capítulos e 1 epílogo, não se pretende calçar os critérios preestabelecidos daquilo que se considerava (ou ainda se considera) “boa literatura”, com uma visão eurocêntrica, mas busca um novo tipo de linguagem nacional, pautada radicalmente na brasilidade, bebendo nas nossas próprias abundantes e riquíssimas fontes, o que certamente escandalizou a crítica conservadora.
“Macunaíma”, que dá título à obra, significa “O Grande Mal” e provém da mitologia ameríndia do norte amazônico, tendo o termo sido relatado por um antropólogo alemão, Theodor Koch-Grünberg, que estudara as tribos da região, mas acabou se tornando, em consequência ao personagem-título do livro, sinônimo de “indivíduo preguiçoso e espertalhão”, como define o dicionário Priberam. O subtítulo, “herói sem nenhum caráter”, ressalta a índole contraditória de Macunaíma como anti-herói, isto é, um protagonista em posição de heroísmo (combatendo vilões, vivendo aventuras e romances), mas sem os atributos tipicamente heroicos, condensando em si estereotipicamente “os grandes males”, ou vícios, do brasileiro médio, desleixado, malandro, lascivo, egoísta e até violento e racista. O “caráter” do subtítulo pode, ainda, referenciar a falta de característica única do personagem, que traz consigo os piores arquétipos das múltiplas etnias nacionais, que não constituem uma unidade claramente identificável.
Mário de Andrade, o autor, é uma das figuras-chave do Modernismo Brasileiro, que desamarrou os paradigmas das artes no Brasil, voltando-nos para nós mesmos, inovando em forma e conteúdo, com referências internas de quem somos enquanto pluralidade de nações em um mesmo território. Mário foi um intelectual árduo, debruçando-se sobre culturas marginalizadas do país, tendo inclusive viajado a regiões remotas, na finalidade de conhecer de perto esses variados folclores. Essa busca por uma identidade nacional acaba sendo o contexto de produção de Macunaíma, unindo características tão diversas, com mitos, ditados populares, estéticas e narrativas brasileiras. Segundo consta, o autor escreveu a obra em apenas seis dias, “deitado na rede em Araraquara”, tendo-a gestado por meses ou mesmo anos.
Para a presente resenha, utilizei um audiolivro na íntegra, disponibilizado pelo streaming Audible, plataforma da Amazon, na voz de Raphael Garcia, com o auxílio de pesquisas, tendo em vista o caráter extremamente hermético de diversas sequências. Por isso, recomendo, se possível, a leitura de uma edição com notas de rodapé, situando o leitor em cada referência obscura – e são muitas, com termos específicos de tribos amazônicas, por exemplo. Sem notas explicativas, boa parte da compreensão é perdida, ainda que se possa apreciar a narrativa pelos aspectos engraçados e/ou inventivos que se desenrolam do início ao fim, bem como pela crítica identitária nacional.
A linguagem, para além das muitas palavras de origem indígena ou regional, no geral, acaba trazendo o que há de mais coloquial, com oralidades presentes no cotidiano do povo brasileiro, Isto cria uma miscelânea de trechos considerados “pouco literários”, por serem tão banais, mesmo sendo fidedignos de nossas culturas, e trechos que escapam do nosso imaginário, pela já citada especificidade vocabular e folclórica. É antropofágico, no sentido de “engolir” uma série de criações populares brasileiras, desdobrando-se em algo novo – algo parecido, guardadas devidas proporções, com Homero, que concatenou um mosaico de séculos de literatura oral grega em suas obras escritas. Há uma infinidade de nomes de frutas, flores, plantas, pássaros e animais. Segundo o poeta Haroldo de Campos, “uma das riquezas de Macunaíma é justamente essa 'fala nova' ('impura' segundo os padrões castiços de Portugal), feita de um amálgama de todos os regionalismos, mescla dos modos de dizer dos mais diferentes rincões do país, com incrustações de indigenismos e africanismos, atravessada por ritmos repetitivos de poesia popular e desdobrada em efeitos de sátira pela paródia estilística”¹. Constantemente, o autor explica a gênese de ditados e constelações por meio de reinvenções inseridas na trama do livro, como origens mitológicas semelhantes às gregas arcaicas. Outra característica de sua linguagem é o desrespeito pelos padrões cultos e gramaticais, preferindo construir suas próprias regras – legado modernista que continua a influenciar nossa literatura, tantas décadas depois.
É de um estilo frenético e, por vezes, até surrealista, assemelhando-se às animações clássicas de Pernalonga e Pica-pau, por exemplo. Em uma das cenas, Macunaíma se veste de mulher, para enganar o vilão, mas tem seu plano fracassado, saindo correndo tresloucado, com um cão bravo em sua cola, passando por várias cidades, a pé. Há inúmeras sequências birutas assim, o que pode ter inspirado esteticamente as adaptações em quadrinhos que a obra acertadamente recebeu. Outra adaptação foi para o cinema, em 1969, com uma vibe tropicalista, humor non-sense e Grande Otelo, um dos maiores atores e comediantes brasileiros, no papel principal.
Os temas, por sua vez, giram em torno, sobretudo, de nossos vícios sociais. O herói nasce negro, em família indígena, mas se torna branco, como uma sátira personificada do brasileiro sem consciência, que maltrata as mulheres, vive por sexo e riquezas, xinga, mente, engana e quer tudo de mão beijada, sem precisar trabalhar. É alguém que apenas “se deixa viver” pelos prazeres, sem responsabilidade, sem pensamento crítico politizado. No fundo, a obra trata da falta de organização moral (sirva a carapuça a quem couber) do povo brasileiro, convidando-nos a reflexão sobre quem somos enquanto nação. Quais os nossos valores, de fato? Seriam estes, da preguiça e do mau-caratismo de Macunaíma, ou teríamos que nos reinventar? Com clareza, os últimos noventa anos, desde sua publicação, provocaram uma série de mudanças radicais em nossas plurais identidades, mas a provocação continua, em um mundo contemporâneo tão fragmentado em bolhas ideológicas. Macunaíma ainda compõe críticas às políticas públicas paulistanas da época e à mesquinhez de sua elite política e econômica, como se encarna no antagonista, o gigante Piaimã, colecionador de riquezas materiais de nossos Brasis.
A sinopse básica do livro gira em torno de um MacGuffin, ou seja, um objeto de desejo, que move a trama: Macunaíma, nascido na selva amazônica, herda (de sua amada companheira Ci) o talismã Muiraquitã, que acaba sendo perdido, indo parar nas mãos do gigante Piaimã comedor de gente, Venceslau Pietro Pietra, em São Paulo. Nisso, o herói e seus dois irmãos, Maanape e Jiguê, migram para a Terra da Garoa, no intuito de recuperar a joia.
Dentre os personagens, Macunaíma é o protagonista. Inspirado em mitos indígenas arcaicos, dos arredores do Monte Roraima, o herói possui poderes mágicos e uma personalidade irritante, sempre zombando dos outros e tirando vantagem. Mentiroso nato, está sempre “brincando” (leia-se, fazendo sexo) com as namoradas do irmão Jiguê e outras cunhãs e cunhatãs, termos referidos para “mulheres”. Suas falas favoritas são: “Ai, que preguiça” e “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”. Jiguê é o irmão do meio, índio guerreiro, forte e namorador. Maanape é o irmão mais velho, pajé, feiticeiro. Ci, a “Mãe do Mato”, é a líder das icamiabas, mulheres guerreiras da Amazônia, que vivem sem a presença de homens. Ela é o principal par romântico do herói, sendo constantemente lembrada, mesmo em sua ausência, muito em razão de sua pedra preciosa, o Muiraquitã. Venceslau Pietro Pietra é o antagonista, gigante canibal peruano e burguês, que vive com sua esposa, a velha caapora Ceiuci, e duas filhas em um imenso casarão paulistano, representando o histórico estrangeiro que rouba nossas riquezas naturais. Há, ainda, dezenas de coadjuvantes, como animais falantes, figuras mitológicas e interesses românticos do herói.
Concluindo, foi um desafio entender Macunaíma, mas também um deleite, onde pude expandir minha imaginação e aceitar novas formas literárias, além de conhecer um pouco de crenças e mitos de tantas partes do país. É engraçado, porém, não deixa de ser triste, pois, por baixo de tanta “maluquice”, esconde-se um arquétipo desolador: até aonde iremos, enquanto Brasil, continuando a seguir os vícios do protagonista? Rumo à autodestruição, certamente.
Trecho da adaptação em quadrinhos de Macunaíma, por Angelo Abu e Dan X (Editora Peirópolis).
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Em seguida, meu resumo cronológico da história, com spoilers:
Macunaíma nasceu negro retinto, na tribo indígena dos tapanhumas, na selva amazônica. Passou seis anos sem falar, por preguiça. Vivendo com a mãe e dois irmãos, o valente Jiguê e o velho feiticeiro Maanape, Macunaíma magicamente podia crescer, virando um lindo príncipe e “brincando” (fazendo sexo) com Sofará, mulher de Jiguê, que a troca por outra mulher, Iriqui. Durante uma enchente, que destrói as plantações e causa fome na tribo, o herói é perseguido pelo curupira e acaba encontrando a cotia, que lhe dá um banho de caldo envenenado de aipim, fazendo com que seu corpo mature, tornando-se adulto, menos a cabeça, que continua pequena. Voltando para a aldeia, Macunaíma comenta com a matriarca: “Mãe, sonhei que caiu meu dente”, no que a mãe responde: “Isso é morte de parente”. Mais tarde, após “brincar” com Iriqui, a nova companheira de Jiguê, o herói persegue e mata, para comer, uma veada, que havia parido um filhote – ao matá-la, o animal se transforma na mãe do próprio Macunaíma. Em luto, os três irmãos abandonam a aldeia, partindo para novas terras.
No caminho, o trio encontra a Mãe do Mato, Ci, líder das índias guerreiras icamiabas. Macunaíma se apaixona por Ci, conquistando-a à força e se tornando, por isso, Imperador do Mato. Os dois, após brincarem muito, geram e criam um filho homem, quebrando o código das icamiabas, que usavam homens apenas para procriar, matando os filhos do sexo masculino. Ci entrega seu talismã sagrado, o Muiraquitã, ao esposo e vira, para sempre, uma estrela do céu, enquanto seu filho, morto, torna-se um pé de guaraná. Macunaíma, triste, parte novamente com os dois irmãos; dessa vez, seguido por um séquito de pássaros do mato. Numa cachoeira, surge o monstro boiuna, uma enorme cobra negra, que o herói decapita rapidamente, mas que sobrevive e rola sua cabeça, por muitas léguas, atrás do trio. Durante a confusão, a joia Muiraquitã se perde, sendo engolida por um peixe, que é pescado e vendido ao gigante canibal peruano Piaimã, Venceslau Pietro Pietra, levando a pedra para a cidade de São Paulo.
Munido de muitos bagos de cacau, a moeda de seu império do mato, Macunaíma parte, com seus manos, para São Paulo. No caminho, o herói banha-se numa poça d’água, tornando-se branco, de olhos azuis – vangloriando-se do feito e demonstrando o racismo do personagem. Chegando na capital paulista, descobre que seu cacau não vale muito, permitindo que vivam apenas em uma humilde pensão.
No primeiro enfrentamento com o gigante, Macunaíma e Maanape se escondem numa árvore que dá todo tipo de fruta, mas Piaimã aparece, consegue capturar o herói e o leva para dentro da casa, cozinhando-o. Maanape consegue recuperar os restos mortais do irmão e, fazendo feitiçarias, ressuscita Macunaíma. O herói, então, tenta nova artimanha, para se aproximar do gigante e recuperar sua joia: veste-se de mulher francesa, e entra na mansão do vilão, para negociar o Muiraquitã, mas o plano dá errado e o vira-lata da casa, chamado Xaréu, corre atrás do enganador, que percorre muitas cidades e Estados e escapa exausto. Desejando vingança, nosso protagonista parte para o Rio de Janeiro e, num terreiro de religião de matriz africana, consegue fazer uma espécie de vodu, surrando (com o consentimento da mesma) a mãe de santo, para que o gigante sinta os golpes – o que dá certo, deixando Venceslau todo quebrado.
Macunaíma encontra a árvore Volomã, cheia de frutos, e lhe pede uma fruta, que é negada. Em contrapartida, o herói profere palavras mágicas, que fazem todos os frutos caírem dos galhos. A árvore, irada, arremessa Macunaíma em uma ilha deserta, para além da Baía de Guanabara, onde um urubu defeca em sua cabeça. Fedendo, ninguém queria ajudá-lo a voltar para casa, com exceção de Vei, a Sol, que chega numa jangada, com suas três filhas. As meninas limpam o herói. Vei faz Macunaíma jurar que se casará com uma de suas filhas; porém, tão logo Sol e suas filhas partem, o herói encontra uma cunhã portuguesa, no litoral, e os dois brincam por horas, até a volta de Vei, que rompe o pretenso noivado. Macunaíma volta sozinho para a pensão e escreve uma carta às índias guerreiras icamiabas, descrevendo e criticando a cidade de São Paulo, em tom de paródia à célebre carta de Pero Vaz de Caminha. Na Festa do Cruzeiro, o herói interrompe um homem, que explicava a constelação de Cruzeiro do Sul, dizendo que as estrelas, na verdade, eram o Pai do Mutum. Depois, após armar uma confusão pública, mentindo sobre a existência de um rastro de anta, que seus irmãos tentam em vão caçar, o herói faz uma aposta com um serviçal, Chuvisco, para saber quem consegue assustar o (ainda machucado, pela surra) gigante Piaimã. Macunaíma perde a aposta e decide ir pescar no Tietê, quando Ceiuci, esposa do Piaimã, captura o herói, levando-o para ser cozido em casa. Porém, a filha mais nova do casal se encanta por nosso protagonista. Os dois brincam, e Macunaíma consegue fugir pela janela, correndo por Estados e países, com a velha Ceiuci o perseguindo.
De volta à pensão, descobre-se que o gigante Venceslau foi viajar em família, para a Europa. Disfarçando-se de pintor, Macunaíma pretende conseguir auxílio do governo, custeando sua viagem à Europa, mas não consegue. É enganado duas vezes: primeiro, por um vendedor ambulante, que lhe vende caríssimo um gambá que falsamente defecava prata; depois, por um macaco, que comia coquinho, dizendo-lhe que eram seus próprios testículos, após quebrá-los, fazendo o herói catar um paralelepípedo e golpear a si mesmo, nas partes baixas. Macunaíma cai morto, mas é novamente ressuscitado pelo irmão, Maanape. Jiguê, por sua vez, arruma outra namorada, a piolhenta Suzi, que também “brinca” com Macunaíma às escondidas, mas acaba sendo descoberta e mandada embora.
Venceslau Pietro Pietra volta de viagem e convida o herói para sua casa, onde havia um enorme buraco no chão, com um cipó em cima. O gigante quer balançar nosso protagonista no cipó, mas o herói pede que o gigante vá primeiro. Fazendo, empurra Venceslau no cipó, até que o gigante cai pelo buraco, indo parar em uma grande panela de macarronada, no andar debaixo. Morreu ensopado de molho. Macunaíma toma seu Muiraquitã de volta e, junto de seus manos, voltam para a Amazônia.
O herói, novamente ao lar, encontra-se com Oibê, um monstro minhocão, que o persegue. Na fuga, depara-se com um pé de carambola, que se transforma em uma linda princesa – e os dois “brincam” e voltam para o convívio dos manos. Lá, Iriqui, ex-namorada de Jiguê, que havia retornado, fica com ciúme da princesa e parte para os céus, virando uma estrela. Macunaíma não queria contribuir com os trabalhos de caça, vagabundeando enquanto os irmãos davam duro. Jiguê descobriu formas mágicas de atrair peixes e animais, uma cabaça e, depois, uma violinha encantadas. O herói descobriu, tentou o mesmo e acabou perdendo os utensílios mágicos; contou ao Jiguê, que ficou furioso e disse não pescar, nem caçar mais. Sem ele, passariam fome. Macunaíma, para se vingar do irmão, pôs presa de sucuri no anzol. Jiguê, ao pegar o anzol, é picado, tendo o veneno tomado todo o seu corpo, transformando-o em apenas uma sombra leprosa. A sombra se transfigurou de bananeira. O herói, faminto, não resistiu e comeu suas bananas, contraindo lepra e tendo que passar a doença para sete criaturas, no que escolheu formigas e um mosquito, para sobreviver. À noite, sem poder se distinguir, a sombra clamou por fogo, para a princesa e Maanape. Os dois vieram, portando fogo, mas foram ambos engolidos pela sombra, que perseguiu o herói por muitos Estados, até encontrarem o boi-bumbá, que morreu e foi devorado por urubus. “A sombra teve raiva de estarem comendo o boi dela e pulou no ombro do urubu-ruxama”, que passou a ter duas cabeças, com a sombra leprosa sendo a cabeça da esquerda.
Vivendo em completa solidão, Macunaíma abandona a tapera destruída e vai viver nas montanhas, onde conhece um papagaio e lhe conta suas desventuras pela vida. Certo dia, Vei, a Sol, acorda o herói, fazendo cócegas com seus raios, em represália ao fracassado noivado do índio com uma de suas filhas. Para se aliviar, Macunaíma ruma à lagoa, para tomar banho, onde encontra uma belíssima cunhã, a Iara, sereia mitológica dos povos indígenas da região. Sem resistir, Macunaíma entra na água, para “brincar” com a Iara, mas é despedaçado por mordidas. Perde uma das pernas, orelhas, nariz, beiço, dedões e a valiosa Muiraquitã. Mata os peixes da lagoa e consegue recuperar quase tudo, exceto a perna e o talismã. Arrasado pela consequência de seus infundados atos, sozinho, destruído e destituído de razões para viver, o personagem planta um cipó matamatá e sobe na planta, até os céus, onde encontra o Pai do Mutum, que movido por pena, transforma o herói na constelação da Ursa Maior.
No epílogo, um homem branco, que viemos a descobrir se tratar do próprio eu-lírico autor de Macunaíma, o próprio Mário de Andrade, encontra o papagaio de Macunaíma, que lhe conta todas as histórias do livro.
“Então o pássaro principiou falando numa fala mansa, muito nova, muito! que era canto e que era caxiri com mel-de-pau, que era boa e que possuía a traição das frutas desconhecidas do mato.
A tribo se acabara, a família virara sombras, a maloca ruíra minada pelas saúvas e Macunaíma subira pro céu, porém ficara o aruaí do séquito daqueles tempos de dantes em que o herói fora o grande Macunaíma imperador. E só o papagaio no silêncio do Uraricoera preservava do esquecimento os casos e a fala desaparecida. Só o papagaio conservava no silêncio as frases e feitos do herói.
Tudo ele contou pro homem e depois abriu asa rumo de Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história. Por isso que vim aqui. Me acocorei em riba destas folhas, catei meus carrapatos, ponteei na violinha e em toque rasgado botei a boca no mundo cantando na fala impura as frases e os casos de Macunaíma, herói de nossa gente.
Tem mais não.”
// Mário de Andrade,
no epílogo de Macunaíma: o herói sem nenhum caráter
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FONTES: ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Audible Studios, na voz de Raphael Garcia, 2024.
¹ CAMPOS, Haroldo. Metalinguagem & outras metas: ensaios de teoria e crítica. São
Paulo: Perspectiva, 1992, p. 179.
Macunaíma, a sátira trágica que é uma aula de moral e civismo. Por Leyla Perrone-Moisés, para o site Vermelho em 2 de março de 2020. Disponível em: Macunaíma, a sátira trágica que é uma aula de moral e civismo - Vermelho
Por que 'Macunaíma', lançado há 90 anos, é muito mais do que um livro de vestibular. Por Edison Veiga, para a BBC News Brasil em 15 de setembro de 2018. Disponível em: Por que 'Macunaíma', lançado há 90 anos, é muito mais do que um livro de vestibular - BBC News Brasil
Ainda Devemos Ler Macunaíma? (#349) (do canal Ler Antes de Morrer, no YouTube).
Macunaíma e o Enigma do Herói às Avessas | José Miguel Wisnik (do canal Café Filosófico CPFL, no YouTube).
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