Análise e comentários:
FILMOGRAFIA DE GUILLERMO DEL
TORO
23 de maio de 2020
Foto: Reuters.
Guillermo Del Toro, nascido no
México em 1964, é um diretor, produtor e roteirista. Ele é um dos três grandes
diretores mexicanos da atualidade (todos ganhadores do Oscar na última década),
ao lado de Alejandro Iñárritu e Alfonso Cuarón – que temos artigo aqui no blog.
Seus filmes, em língua espanhola e inglesa, giram em torno da temática de
monstros, misturando fantasia e, por vezes, períodos históricos reais, como a
Guerra Civil Espanhola. Em
sua filmografia, encontramos uma mistura entre o mainstream,
ou seja, filmes com forte apelo popular, e o cult, filmes que se
pretendem tratar de mensagens mais profundas, como ocorre em O Labirinto do
Fauno (2006), sua obra-prima. Ele também se aventurou em adaptações cinematográficas
baseadas em quadrinhos: Blade e Hellboy. Dois de seus maiores
parceiros em tela são Ron Perlman, que atuou em cinco de seus filmes, e Doug
Jones, que costuma interpretar as criaturas humanoides.
Desde o início da carreira, sua paixão por monstros
ganhou inúmeras formas, que foram adaptadas em cada um de seus filmes. Habitualmente,
suas criaturas fabulosas carregam um interior sensível e uma inclinação ao bem.
É uma constante em toda sua filmografia. Em discurso, ao receber o Globo de
Ouro em 2018, Del Toro disse: “Desde a infância, tenho sido fiel aos monstros.
Eu tenho sido salvo e absolvido por eles. Porque os monstros que acredito são padroeiros
da nossa imperfeição bem-aventurada. E eles permitem e encarnam a possibilidade
de falhar e viver”. Logo em seu primeiro longa, essa característica aparece,
quando vemos um homem a se transformar numa espécie de vampiro. Outras
criaturas que dão as caras, ao longo de sua carreira, são fantasmas; monstros-aquáticos
humanoides; o próprio Hellboy, um “super-herói” de aspecto demoníaco; um fauno,
fadas, um sapo mágico, entre muitos outros. No entanto, os personagens mais
cruéis, mais assustadores, são humanos: um coronel que coordena experimentos
secretos em um laboratório; dois irmãos misteriosos; um príncipe de uma antiga
civilização (mágica, mas, ainda assim, humana); um oficial do exército
espanhol; nazistas; o zelador de um orfanato etc. São todos cruéis e
inescrupulosos. Diferente das criaturas, geralmente gentis. As exceções são os
vampiros macabros de Blade II (2002), os monstros titânicos de Círculo
de Fogo (2013), os insetos gigantes de Mutação (1997) e determinadas
criaturas isoladas de outros filmes, embora a maioria delas não pareça possuir
qualquer “consciência moral”, agindo instintivamente.
Um dos pontos altos de sua obra são
os efeitos, sejam eles práticos (o que ocorre majoritariamente) ou visuais, em
computação gráfica. Isto, é claro, traz um charme a mais aos filmes, visto que
é comum, em Hollywood, resolver tudo em CGI. Os monstros têm sustância, são
altamente palpáveis, realistas, com textura. O trabalho de maquiagem é reconhecidamente
um dos melhores da indústria.
Há também, no que
concerne ao estilo do diretor, outras características marcantes. A violência
gráfica, explícita, é um exemplo. Del Toro não tem pudor em mostrar crânios
sendo estraçalhados, tiros, facadas, sangue. A violência é extremamente
realista e chocante. Outra característica que costuma – propositalmente – gerar
asco no espectador é a estética grotesca, como o gentil e idoso protagonista de
Cronos a lamber sangue no chão do banheiro. Materiais pegajosos, nojentos,
são muito utilizados em seus filmes. É possível, também, perceber certa
constância de artefatos lendários, bugigangas mágicas, armas tecnológicas e
objetos comuns, com fortes significações, como a caneta dada pelo pai da
escritora d’A Colina Escarlate (2015) ou as chaves d’O Labirinto do
Fauno (2006), assim como símbolos religiosos. Departamentos de atividades
secretas e “portais” para mundos sobrenaturais também são comuns de aparecer, do
mesmo modo que insetos e cenas na chuva. Entre os personagens, além das criaturas,
há várias crianças, normalmente tímidas e introvertidas, ainda que corajosas e
aventureiras.
Na sequência, apresento filme a
filme, do pior ao melhor, na minha opinião, de toda a filmografia de longas-metragens
do diretor.
Mimic (1997) | Mutação
Nota pessoal: 6,8 (bom)
Rotten Tomatoes: 61% | IMDb: 5,9/10 | Metacritic: 55%
| Filmow: 3.1/5
Comentário: Uma doença epidêmica, causada por baratas,
está a matar centenas de crianças em Nova Iorque. Para acabar com a praga, uma
cientista realiza mutações em um inseto, denominado Judas, que deverá entrar em
contato com as baratas da cidade para, assim, erradicar o problema. O início do
filme traz uma ótima trama de ficção-científica com vários toques de mistério.
Nós ficamos ansiosos por descobrir o desenrolar dos acontecimentos. Os monstros
têm a forma de insetos gigantes, mas com um quê humano. Eles são muito bem
feitos, ainda mais considerando a época de produção. Há efeitos práticos
aliados ao CGI. O problema é que a originalidade, no decorrer do filme, vai
dando espaço ao clichê e ao previsível, tornando o longa apenas mais um filme
estereotipado de ação e terror. Segundo Del Toro, a interferência da produtora
prejudicou o projeto.
Nota pessoal: 7,0 (muito bom)
Rotten Tomatoes: 57% | IMDb: 6,7/10 | Metacritic: 52%
| Filmow: 3.1/5
Comentário: Surge uma nova raça de vampiros, muito
mais poderosos e mortais, cuja transformação se dá pela mordida de um infectado
por um vírus. Blade, então, deve se aliar aos Sanguinários, seus arqui-inimigos
– um grupo de vampiros treinados para mata-lo. Neste segundo filme da franquia,
dessa vez dirigido por Del Toro, o personagem da Marvel luta acrobaticamente;
os efeitos visuais são impressionantes e muito bem-feitos. Apesar do toque de
horror, o filme funciona no gênero de ação, apresentando uma aventura
sustentada a tiros e armas altamente tecnológicas. Não espere uma história
profunda, mas um filme “pipoca”, feito para entreter. Aqui, o diretor inicia
uma vertente de sua filmografia direcionada aos blockbusters, filmes caros, com
grande apelo popular.
Nota pessoal: 7,2 (muito bom)
Rotten Tomatoes: 90% | IMDb: 6,7/10 | Metacritic: 70%
| Filmow: 3.3/5
Comentário: Um alquimista, na época da Inquisição,
projeta um “besouro dourado” – que, ao “picar” a pessoa, dá a vida eterna,
transformando o usuário em uma espécie de vampiro. O artefato chega aos nossos
dias por meio de uma loja de antiguidades, cujo dono, sem querer, acaba sendo
“picado” pelo tal besouro. Todas as principais características da filmografia
de Del Toro estão aqui presentes, neste seu primeiro longa: a mistura entre
mitologia/fantasia e terror; inocência, violência e um “monstro-do-bem”. Há
toda uma aura sobrenatural no roteiro. Os elementos fantásticos são detalhados
e originais, embora inspirados em mitos históricos, como alquimia e vampiros.
Creio que, em certa medida, o fascínio e o assombro pelo desconhecido atraem
nossa atenção, mas o filme acaba por seguir rumos de inspiração diminuta e
obviedades.
Nota pessoal: 7,6 (muito bom)
Rotten Tomatoes: 72% | IMDb: 6,9/10 | Metacritic: 65%
| Filmow: 3.8/5
Comentário: Quando monstros colossais começam a
emergir do Oceano Pacífico, por meio de um portal interdimensional, a
humanidade cria robôs gigantes, controlados por pessoas, para lutar contra os
monstros e impedir a destruição do nosso planeta. As criaturas de Del Toro,
dessa vez, não demonstram qualquer virtude humana: elas querem apenas destruir
tudo o que vem pela frente. E, aqui, os efeitos de computação gráfica suplantam
totalmente o live-action. Uma coisa que – visualmente – me incomodou
foram os ambientes escuros durante as batalhas. Parece que os efeitos convencem
melhor na noite ou embaixo do oceano, pois não ficam claros o suficiente para
permitir que sua artificialidade apareça. No que se refere ao roteiro, a
sensação de possibilidade de morte ou fracasso iminente (quando os roteiristas
não blindam demais os heróis) é contínua, o que gera uma expectativa positiva.
De todo o modo, o longa garante um bom divertimento, especialmente aos amantes
de lutas entre robôs e monstros titânicos.
Nota pessoal: 7,9 (muito bom)
Rotten Tomatoes: 72% | IMDb: 6,5/10 | Metacritic: 66%
| Filmow: 3.3/5
Comentário: Edith, uma jovem e talentosa escritora,
apaixona-se pelo misterioso Thomas. Ele e sua irmã moram a sós, na Inglaterra,
em um macabro casarão, onde se trabalha na extração de uma espécie de argila
avermelhada. O tom charmoso e sombrio dá um ar interessante e chamativo ao
filme, ainda mais sendo ambientado – de modo exemplar – no período vitoriano
(que permite a utilização de móveis e velas característicos à época). O
figurino também é muito bem trabalhado e nos conduz aos tempos apresentados.
Outro ponto positivo é a bela trilha sonora, além da fotografia. Neste longa, o
diretor se vale de certas constâncias, acertando na aparência horripilante dos “fantasmas”,
mas errando ao se manter na superfície. Há jump scares sem necessidade,
haja visto que a presença dos seres sobrenaturais assusta por si só. E há
também a violência gráfica habitual do diretor.
El Espinazo del Diablo (2001) | A Espinha
do Diabo
Nota pessoal: 8,0 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 92% | IMDb: 7,4/10 | Metacritic: 78%
| Filmow: 3.8/5
Comentário: No decorrer da Guerra Civil Espanhola, um
garoto é deixado em um orfanato, no meio do nada, onde crianças aguardam o fim
do conflito. Lá, ele descobre um fantasma de um menino assassinado e faz
amizades e inimizades com jovens e adultos perturbados pelas circunstâncias.
Todo o filme carrega a essência do estilo reconhecido do diretor: há violência,
sangue e a presença de uma entidade sobrenatural – no caso, uma assombração.
Com toques de terror, o longa caminha muito bem enquanto drama, oferecendo
poemas narrados e o desenrolar da história de um quarteto amoroso, que
influencia diretamente nos rumos da narrativa. Pelos olhos dos garotos, vemos
um recorte do resultado da guerra e o horror, físico e fantasmagórico. Outro
ponto a se destacar é a fotografia, que encaixa uma bomba no meio do concreto,
no pátio do orfanato.
Hellboy (2004)
Nota pessoal: 8,3 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 81% | IMDb: 6,8/10 | Metacritic: 72%
| Filmow: 3.3/5
Comentário: Após experiências ocultistas realizadas
pelos nazistas, uma pequena criatura vermelha é encontrada. Levado para o lado
do bem e chamado de Hellboy, a criatura cresce e se torna uma espécie de
super-herói, trabalhando para o Departamento de Pesquisa e Defesa Paranormal
dos Estados Unidos. O longa segue características que o cineasta empregou em
Blade, como a junção entre maquiagem e efeitos práticos com uma detalhada
computação gráfica – que, na maior parte das vezes (mas não sempre), convence
–, arcos de personagens que se juntam ao final e cenas de ação eletrizantes.
Porém, ao meu ver, é bem melhor que Blade. O filme consegue trabalhar o humor
(especialmente), o horror, a aventura e o romance. Os cenários são riquíssimos,
passando por centros urbanos e o metrô até instalações secretas, com a feliz
utilização de chuva, neve e fogo em momentos pontuais. No todo, uma ótima
diversão aos espectadores.
Hellboy II: The
Golden Army (2008) | Hellboy II: O Exército Dourado
Nota pessoal: 8,6 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 86% | IMDb: 7,0/10 | Metacritic: 78%
| Filmow: 3.4/5
Comentário: Um lendário príncipe decide romper a
trégua com a humanidade e reanimar um imenso exército de máquinas douradas e
destruidoras. Para impedi-lo, Hellboy e sua equipe devem enfrentar vários
perigos. Continuação do filme de 2004, este longa consegue superar o
predecessor, com excelentes cenas de humor e ação. O ritmo é recheado de
sequências eletrizantes, com vários efeitos visuais e uma inventividade
interminável das mais diversas e criativas criaturas. Todo o potencial que Del
Toro possui para compor seres bizarros é aproveitado da melhor forma. Há um
aprofundamento no universo do personagem, onde podemos conhecer novas
mitologias – acompanhadas de estéticas, biotipos, lugares e elementos
originais. Por tudo isso, a obra entrega uma boa pedida para quem deseja
acompanhar uma aventura fabulosa.
The Shape of Water (2017) | A Forma da Água
Nota pessoal: 9,7 (excelente)
Rotten Tomatoes: 92% | IMDb: 7,3/10 | Metacritic: 87%
| Filmow: 3.9/5
Oscars: melhor trilha sonora, direção de arte, direção
e filme.
Comentário: Elisa é uma funcionária de limpeza em um
laboratório de atividades secretas, durante a Guerra Fria. Apesar de muda, ela
conhece e se apaixona por um homem-anfíbio, que vive preso na banheira do
laboratório para a realização de experimentos científicos. Ganhador do Oscar de
melhor filme do ano, essa história de amor, até então, é o filme mais delicado
do diretor. Há esmero na construção de toda a fotografia, trabalhada em tons de
verde-água e azul-petróleo, remetendo ao mar. Quando a paixão toma conta de
Elisa, podemos perceber uma iluminação mais avermelhada. Toda a direção de
arte, com cenários e figurinos, trabalha dentro dessa paleta. Outro ponto
extremamente notável é a sensível trilha sonora de Alexandre Desplat – diria,
inclusive, que é a trilha mais notável dos últimos anos. Tudo isso aliado ao
carisma da protagonista fazem lembrar O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2001); porém, é claro, com uma roupagem ao estilo de Del Toro: um monstro de
bom coração, violência gráfica e um vilão (humano) repugnante. Há também
metalinguagem, com homenagens ao cinema. É divertido, envolvente, comovente. Sem dúvida, um filme
inesquecível.
El Laberinto del
Fauno (2006) | O Labirinto do Fauno
Comentário: Durante o final da Segunda Guerra Mundial,
um grupo de rebeldes luta contra a ditatura espanhola. Enquanto isso, Ofélia,
uma garota ávida por fantasia, evita seu novo padrasto, um oficial fascista, e
desvenda um mundo mágico de criaturas mitológicas. Aqui, temos todas as
principais características do diretor, elevadas à um nível extremo e
harmonioso: o uso de efeitos práticos e maquiagem de alta qualidade (que,
inclusive, levou o Oscar); violência brutal; um vilão pior que qualquer
monstro; o encontro entre o mito e o real, a fantasia inserida em um contexto
histórico. Tudo é regido com maestria, do roteiro até os mínimos detalhes de
ambientação, figurino e caracterização dos seres mágicos (há fadas, um fauno,
um sapo gigante e – o mais icônico – o Homem Pálido). Contrastando o mundo
fabuloso, os fascistas protagonizam cenas brutais, que chocam pelo realismo. Um
tema central, vale aqui destacar, é a desobediência. Ela aparece tanto nas
aventuras de Ofélia quanto no núcleo dos adultos. No fim, resta a questão: a
criança imaginava todo o enredo fantástico (para escapar da dura realidade) ou
a magia, no filme, existe? Há argumentos para as duas teses. Eis aqui um dos
melhores filmes do gênero.
FONTES: todos os filmes acima, em negrito; Wikipédia; Rotten Tomatoes;
IMDb; Metacritic e Filmow; Guillermo Del Toro, uma aula de cinema! (Canal
Nerdovski no YouTube); Guillermo Del Toro - A Fantasia dos Humanos
(Canal Plano Geral no YouTube).
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