Análise e comentários:
FILMOGRAFIA DE CHRISTOPHER NOLAN
8 de junho de 2024
Douglas Jefferson, bacharel em Filosofia
foto: Laurent KOFFEL/Gamma-Rapho via Getty.
Christopher Nolan, nascido em Londres no ano de 1970, é um diretor, produtor e roteirista de cinema, sendo um dos mais reconhecidos em atividade. Na infância, fascinava-se por filmes de ficção-científica, como 2001: Uma Odisseia no Espaço, Blade Runner e Star Wars, que influenciaram sua própria filmografia. Graduou-se em Literatura Inglesa. Seu primeiro grande prêmio, o Critics' Choice Awards de Melhor Roteiro Original, veio ainda em seu segundo longa-metragem, com Amnésia (2000), catapultando sua carreira em Hollywood. Dirigiu, notavelmente, a trilogia de Batman – O Cavaleiro das Trevas, arrecadando bilhões de dólares. Seu maior sucesso (em termos de premiações) foi a cinebiografia Oppenheimer (2023), vencedor de sete Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Direção. Trabalhou muitas vezes em parceria com seu irmão, também roteirista, Jonathan Nolan; os atores Michael Caine e Cillian Murphy; sua esposa, Emma Thomas, produtora; além do renomado compositor Hans Zimmer.
Entre os temas, abordados em seus filmes, estão sobretudo questões de ordem moral, colocando os protagonistas em posição de dúvida, sobre se devem ou não fazer determinada escolha. A tomada de decisão, e suas repercussões psicológicas e físicas, move a trama. Ambientando, temos comumente mundos fantásticos, onde podemos “invadir” sonhos ou viajar para outras galáxias. O diretor é muito conhecido por explorar conceitos espaciais e principalmente temporais. Como nossa percepção da passagem do tempo influi sobre nossa consciência e mesmo sobre a realidade em que vivemos? Um amnésico, um insone, um (literalmente) sonhador ou um astronauta, na órbita de um buraco negro: todos terão percepções bem distintas daquilo que vivenciam. É comum, em suas obras, referências a cientistas reais ou fictícios, fazendo com que o poder da ciência seja encarado como uma espécie de poder mágico ou divino, capaz de salvar (como em Interestelar) ou exterminar (como em Oppenheimer) toda a humanidade. A demasia de explicações teóricas, porém, pode fadigar parte do público. Outra crítica plausível é o “excesso de testosterona”, com personagens femininas estereotipadas e não tão bem construídas, em comparação às figuras masculinas.
No que concerne ao seu estilo de direção, o cineasta nos coloca dentro do ponto de vista do protagonista, ilustrando seus estados alterados de consciência diegeticamente, isto é, passando tudo aquilo que o personagem sente para o público, com sons e imagens subjetivos ou, no mínimo, distorcidos, como quando alguém com amnésia, insônia ou culpa manifesta reações. Taxado muitas vezes de megalomaníaco, muito em conta pelas escalas colossais de seus últimos filmes, Nolan usa e abusa de técnicas mirabolantes para contar suas histórias, como filmar sequências de trás para frente. Nisso, exige montagem e efeitos visuais de extrema complexidade, preferindo (sempre que possível) a utilização de efeitos práticos, ao invés de computação gráfica. É um desafio incomum, no cinema contemporâneo. Seus planos, em cenas de ação, são tecnicamente impressionantes, valendo-se mais recentemente da tecnologia IMAX, com variadas proporções de tela. Além disso, outra camada de complexidade se faz nas diversas linhas do tempo, com a quebra da linearidade entre passado e futuro. Tendo experiência como fotógrafo, Nolan habitualmente assume a operação da câmera, compondo sublimes cinematografias. Outro de seus traços de estilo está nos figurinos, quase sempre elegantes, dos personagens, com muitos ternos e gravatas. Porém, seu maior trunfo estilístico talvez esteja na trilha sonora, com Hanz Zimmer compondo boa parte das produções. São músicas atmosféricas, que preenchem os espaços e nos trazem para dentro da narrativa, criando (não raras vezes) tensão constante e unidade às variadas sequências, mesmo em elipses e alternadas mudanças de linhas do tempo. Utiliza-se, para isso, a chamada Escala de Shepard, dando a sensação de iminência do clímax, porém, sem nunca alcançá-lo, gerando apreensão pelo porvir.
A seguir, apresento minhas notas e comentários sobre cada longa de Nolan.
Following (1998) | Seguinte
Nota pessoal: 7,9 (muito bom)
Rotten Tomatoes: 84% | IMDb: 7,5/10 | Metacritic: 60% | Filmow: 4/5
Comentário:
Um escritor, em busca de inspiração para suas histórias, passa a
seguir aleatoriamente estranhos pelas ruas de sua cidade, tentando
imaginar quem são, até que, numa dessas, conhece um ladrão, que o
convida a invadir domicílios. De baixíssimo orçamento e em
preto-e-branco, o primeiro longa de Nolan apresenta um argumento
interessante e o desenvolve de modo muito eficaz, em termos de
roteiro. Há um quê de voyeurismo,
com os dois principais personagens vasculhando, alterando de lugar e
roubando objetos pessoais de desconhecidos. Cada objeto preserva em
si um leque de mistérios e vivências que revelam um eco de seus
donos – e isso fascina os ladrões. Com cenas de montagem fora de
ordem, isto é, não-lineares, como pequenos spoilers
do enredo, o filme segue duas linhas do tempo, com o
escritor-protagonista depondo em primeira pessoa sua história e, em
paralelo, as cenas daquilo que o próprio vivera, seguindo pessoas
pelas ruas. Só nessa estrutura, percebe-se o estilo que mais tarde
consagrou o cineasta, com o uso criativo da passagem temporal. Até
na escolha de figurino, com o ladrão usando terno, vislumbramos o
gosto de Nolan por vestir seus personagens com roupas elegantes,
traço muito comum em toda sua obra. Porém, até por ter sido muito
barato, o filme não entrega algumas atuações e sequências de ação muito convincentes. O ponto forte mesmo é o roteiro.
Tenet (2020)
Nota pessoal: 8,0 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 69% | IMDb: 7,3/10 | Metacritic: 69% | Filmow: 3.4/5
Oscar: melhores efeitos visuais.
Comentário:
Um agente de espionagem é recrutado pela organização secreta
Tenet, que estuda objetos (mais notavelmente munições) cujas
entropias foram invertidas, isto é, estão de trás para frente, no
intuito de solucionar a relação do perigoso oligarca russo Andrei
Sator com a potencial destruição do mundo, no futuro. O filme traz
em peso todo o gosto peculiar de Nolan, com uma ficção-científica
ancorada em conceitos físicos reais, manipulando o tempo da forma
que apenas seu cinema é capaz, dentro de uma vibe
007. Há dois tipos de objetos, por assim dizer: os que seguem o
fluxo do tempo “normal”; e os que estão “invertidos”. Na
inversão, o revólver não atira, por exemplo, mas recebe a bala,
com o efeito vindo antes da própria causa. Com isso, cria-se um
quebra-cabeça de dois sentidos, com a trama montando linearmente
suas ações, mas deixando inúmeras brechas, que só serão
preenchidas com a inversão futura. O palíndromo do título, Tenet,
representa bem o conceito: há uma única realidade, (a palavra) que
pode ser vivenciada (lida) da esquerda para a direita, no nosso
tempo, ou da direita para a esquerda. É um filme cerebral, complexo,
e que tende a causar desorientação nos espectadores, na primeira
vez, convidando-nos a rever. Somos, ainda, levados a refletir sobre o
que poderia ter ocorrido – e, se tivesse, mudaria o mundo –, mas
que não ocorreu, e que, por isso, tornou-se invisível (menos que
subvalorizado) para toda História: uma espécie de heroísmo sem
aplausos, feito não pela glória, mas pelo dever. Destaco o trabalho
de câmera invertida, como nunca visto, com edição e mixagem de som
em intrincada coerência. Porém, o excesso de técnica (por si) se
torna cansativo, diminuindo o engajamento do público.
Insomnia (2002) | Insônia
Nota pessoal: 8,2 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 92% | IMDb: 7,2/10 | Metacritic: 78% | Filmow: 3.4/5
Comentário:
Após o assassinato de uma jovem, dois detetives, da divisão de
homicídios, são enviados a uma cidadezinha no Alasca, onde o dia
não escurece, nem de madrugada, durante boa parte do ano. Este
remake
de um filme homônimo norueguês, lançado cinco anos antes, traz Al
Pacino no papel principal, a investigar o mistério – e se colocar
inerentemente nele, quando atira em seu parceiro (de modo proposital
ou não) e culpa o principal suspeito (fugitivo) do crime. Nisso, não
consegue dormir. Não bastam as claríssimas noites, sua consciência
pesa, como se a culpa manchasse de sangue o límpido e branco tecido
de sua mente. Os efeitos da insônia são ilustrados na diegese do
personagem, que parece sempre cansado, com os sentidos desregulados.
A fotografia fria, dessaturada, auxilia na ideia de “noites em
claro”, literalmente, como se implorasse por algumas horas de
profundo e revigorante sono. O tempo, por vezes, não parece passar,
como se o dia durasse meses. Os impasses morais são o ponto forte do
roteiro: até que ponto os fins (legais) justificam os meios
(ilegais)? Coloca-se o efeito reputacional, narcísico, em
contraposição ao dever ético, gerando consequências psicológicas.
São escolhas que passam, filosoficamente, pela superação do
indivíduo em proveito do bem-estar social, e sua ordem. No todo, o
longa ostenta um prestigiado elenco, com algumas surpresas, apesar da
previsibilidade. Curiosamente, é o único filme da carreira de Nolan
a não contar com o próprio entre o time de roteiristas.
Batman Begins (2005)
Nota pessoal: 8,5 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 85% | IMDb: 8,2/10 | Metacritic: 70% | Filmow: 4/5
Comentário:
Atormentado pelo assassinato de seus pais, ainda na infância, o
bilionário Bruce Wayne, treinado pela Liga das Sombras, retorna à
Gotham a fim aterrorizar a criminalidade, com seu alter-ego mascarado
(e altamente tecnológico), Batman. O primeiro filme da trilogia
“Cavaleiro das Trevas”, de Nolan, apresenta uma quebra de
paradigma no universo do clássico personagem, com o máximo de
realismo possível, fugindo da fantasia de outrora e dando espaço à
ficção-científica. Como seria se Batman realmente existisse? Para
isso, o diretor dedica boa parte da primeira metade do longa a
desenvolver psicológica e fisicamente seu protagonista, que passa
por uma série de provações e treinamentos intensos, maturando
habilidades de ninjútsu e superando os próprios medos. Em Gotham,
com o auxílio de Lucius Fox, Bruce adquire aparatos (e mesmo um
carro-tanque), que potencializam seu combate aos vilões,
especialmente o Espantalho, que se vale de conhecimentos químicos e
psiquiátricos para expelir um gás alucinógeno em suas vítimas.
Sombria, com a fotografia baseada em preto e amarelo, levando-se a
sério, a ambientação nos traz uma megalópole crível, na qual a
corrupção e a violência estão enraizadas na realidade. Destaco a
envolvente música-tema, composta por Hans Zimmer, que dá ritmo às excelentes sequências de ação.
Memento (2000) | Amnésia
Nota pessoal: 8,6 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 94% | IMDb: 8,4/10 | Metacritic: 83% | Filmow: 4.2/5
Comentário:
Leonard busca vingar o assassinato de sua mulher, mas sofre de um
tipo peculiar de amnésia, não conseguindo reter suas memórias
recentes. Montado em duas linhas do tempo, uma em preto-e-branco,
seguindo cronologicamente, e outra colorida, de trás para frente, o
longa nos coloca na mesma posição do protagonista, sem saber o que
houve em seu passado recente. Somos apresentados aos efeitos, e só
depois às causas, numa série de sequências que se iniciam no “fim
da história”, e são justapostas inversamente. Com isso, sabemos,
de imediato, a conclusão; mas, ainda assim, abre-se margem para
muitas reviravoltas. Para não se perder na investigação, e vingar
a esposa, Leonard tira fotos, faz anotações e tatua o próprio
corpo, dando pistas ao seu-eu-futuro, que acordará desmemoriado.
Nisso, o roteiro brinca com o conceito de confiabilidade: deverá
ele, sem saber a verdade, confiar nas informações legadas? E sobre
as pessoas que cruzam seu caminho, será que realmente são de
confiança, ou não? Afinal, nem mesmo nós, que não sofremos de sua
condição mnemônica, podemos confiar com precisão em nossas
próprias lembranças – que são distorcidas, alteradas sutilmente,
sem que percebamos. Sem a noção de tempo, acordando eternamente no
pós-trauma, seu ódio não se refreia, e isso move a
inteligentíssima trama. Como ponto negativo, cito que o excesso de
dados inseguros pode cansar, e a trilha sonora é mediana. Trata-se
do primeiro sucesso do, ainda jovem, cineasta Christopher Nolan, carregando elementos que marcaram toda sua filmografia.
Dunkirk (2017)
Nota pessoal: 8,8 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 92% | IMDb: 7,8/10 | Metacritic: 94% | Filmow: 3.8/5
Oscars: melhor montagem, melhor edição de som e melhor mixagem de som.
Comentário:
Durante a Segunda Guerra Mundial, milhares de tropas britânicas e
francesas são encurraladas, pelos soldados alemães, no litoral de
Dunkirk, na França. A partir de um pedido do primeiro-ministro
britânico, Winston Churchill, tem-se a tentativa de evacuação dos
soldados, pelo Canal da Mancha, mobilizando centenas de civis
ingleses. Baseado em fatos reais, o longa não traz protagonistas bem
definidos, mas núcleos de vários personagens em destaque, no mar,
no céu e na terra, cada qual em sua linha do tempo. A antecipação
do perigo cria picos de desespero, intercalados por momentos de
esperança, com embarcações de salvamento chegando – e tão logo
sendo abatidas. É uma luta contra o relógio, que parece martelar os
segundos na ansiosa trilha sonora de Zimmer, com aviões nazistas
rasgando os céus e torpedos ameaçando os mares. Há poucos
diálogos, com a tensão ancorada principalmente na fotografia e
montagem, dando um ar de extremo realismo. Diria que, no cerne, a
mensagem do filme se faz na noção de heroísmo prático, real,
histórico, onde civis ingleses, homens comuns, buscam retribuir os
soldados e ajudar, de alguma forma, a nação, saindo de suas seguras
casas para o alto-mar, em barcos muitas vezes nada preparados para a
guerra. É sobre fazer a coisa certa, arriscando a própria vida, em
missão de resgate que, se bem sucedida, poderá salvar centenas de milhares de vidas. De todo modo, vale pelo espetáculo de som e imagem.
The Dark Knight Rises (2012) | Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge
Nota pessoal: 8,9 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 87% | IMDb: 8,4/10 | Metacritic: 78% | Filmow: 4.2/5
Comentário:
Batman está desaparecido (e procurado pela polícia) há 8 anos, mas
uma nova ameaça à Gotham, Bane, um terrorista mascarado, obriga
Bruce Wayne a ressurgir das sombras com seu lendário alter-ego.
Fechando a trilogia, Nolan assume uma produção de proporções
grandiosas, em sequências de ação em plena luz do dia,
diferentemente das habituais cenas noturnas dos outros filmes. Bane,
com sua voz projetada e seus músculos, surge como uma figura
extremamente intimidadora, claramente mais forte que Batman,
instaurando uma espécie de Nova-Ordem na cidade, após render toda
classe política e prender, no subsolo, os policiais de Gotham. Como
forma de ameaça, para que ninguém (de dentro ou fora) transgrida
suas leis, o vilão ostenta o controle sobre uma bomba nuclear. Um
dos pontos centrais do roteiro é o poço, cheio de homens,
condenados, onde a única possibilidade de escapar é escalando,
feito que apenas uma criança, dominando o medo e a técnica, há
muitos anos, teve a destreza de conseguir. Em cada nova tentativa, os
outros detentos gritam, em uníssono, a palavra correspondente à
“ressurge”, daí o título do filme. É como um renascimento, uma
escapatória do inferno. Destaco ainda o prodigioso jovem policial
Blake, e Selina Kyle, a Mulher-Gato, uma sedutora e habilidosa ladra.
O medo ao terrorismo é uma constante na trilogia, assumindo
contornos ainda mais impactantes, aqui. É uma produção complexa,
com um planejamento extremo, para que efeitos práticos e CGI
comunguem na efetividade da ação, gerando algumas das sequências
mais impressionantes, em termos de escala, da filmografia do cineasta.
The Prestige (2006) | O Grande Truque
Nota pessoal: 9,1 (excelente)
Rotten Tomatoes: 77% | IMDb: 8,5/10 | Metacritic: 66% | Filmow: 4.2/5
Comentário:
No fim do século XIX, em Londres, dois mágicos, “O Professor” e
“O Grande Danton”, após a esposa deste morrer durante um truque
(sem saber, de fato, se “O Professor” tem culpa no acidente),
iniciam uma rivalidade cada vez mais perigosa, movida pela vingança
e pelo prestígio do público, com mágicas que desafiam os sentidos.
Com trama instigante, o filme brinca com os conceitos de magia,
ilusão e ciência, erguendo discussões de ordem moral e estética,
como: “Até onde podemos alcançar, em nome da arte (ou do ego)?”,
“Vale a pena dissimular toda uma vida, apenas para sustentar a
‘lendária persona’ de si?”. É o tipo de obra que se
engrandece revendo, pois suas reviravoltas nos abrem os olhos para
detalhes que deixamos escapar, em uma primeira vista. Outra vez,
Nolan quebra a linearidade da narrativa, intercalando descobertas do
presente com o passado, além de teorias físicas. O cientista da vez
é Nikola Tesla, aqui interpretado dignamente por David Bowie, que
transforma a figura histórica em uma espécie de mago da
eletricidade, capaz de realizar façanhas dignas da mais alta
imaginação, por meio da ciência. Tesla, ainda, trava uma disputa
intelectual com outro grande inventor de sua época, Thomas Edison,
que não aparece, mas age por meio de “capangas”. Como a própria
estrutura do espetáculo de ilusionismo, A Promessa, A Virada e O
Grande Truque, gabarito de três passos ao sucesso, o cineasta nos
apresenta cada elemento, subverte nossas expectativas e, no fim, surpreende.
The Dark Knight (2008) | Batman - O Cavaleiro das Trevas
Nota pessoal: 9,5 (excelente)
Rotten Tomatoes: 94% | IMDb: 9/10 | Metacritic: 84% | Filmow: 4.5/5
Oscars: melhor ator coadjuvante (Heath Ledger) e melhor edição de som.
Comentário:
Após os eventos de Batman
Begins
(2005), um promotor de Justiça, Harvey Dent, torna-se um eficiente
símbolo de esperança no combate aos crimes de Gotham, até que
Coringa, um imprevisível e enigmático sociopata, rende toda a
cidade, com uma série de ataques terroristas. Listado como um dos
melhores filmes de super-herói de todos os tempos, O
Cavaleiro das Trevas
moderniza o vilão mais clássico do homem-morcego, transformando o
Coringa em uma força incontrolável de desesperança e pânico
generalizado. Heath Ledger, no papel, ganhou um Oscar póstumo de
melhor ator coadjuvante, isto é, após seu falecimento precoce, em
2008, tamanho impacto da atuação, com maneirismos que, aliados a
figurino, cabelo e maquiagem, transformaram-no completamente. Seus
planos de destruição da ordem pública não visam obtenções de
vantagens pessoais, como é comum aos antagonistas, mas sim instaurar
o terror e testar a moral da população. Os dilemas são o ponto
forte do roteiro, com os vilões entregando a “chave” na mão das
peças no tabuleiro, onde se incluem o próprio Batman, a polícia,
os políticos e mesmo a sorte. O que fazer com a chave? Quais as
consequências? Uma escolha, para um lado ou outro, pode alterar
drasticamente o futuro, resultando em vida ou morte. Percebemos,
ainda, dualidades em conflito, como o conceito de verdade, eclipsado
pela confortável e preferível mentira; a ordem e o caos; a
esperança e a desilusão. Quantas gotas de dor são necessárias
para corromper uma benigna alma? Todas essas questões são
trabalhadas, em um drama corajoso, maduro e magistralmente dirigido.
Interstellar (2014) | Interestelar
Nota pessoal: 9,6 (excelente)
Rotten Tomatoes: 73% | IMDb: 8,7/10 | Metacritic: 74% | Filmow: 4.3/5
Oscar: melhores efeitos visuais.
Comentário:
Cooper, ex-piloto aeroespacial, vive com sua família numa Terra
adoecida, dominada pela poeira, onde os seres humanos trocaram suas
engenharias urbanas pela vida rural – a fim de sobreviver. Este
épico é uma experiência estético-emocional profunda, que
trabalha, em seu núcleo, o sentimento mais poderoso do ser humano: o
amor, capaz de transcender o tempo e o espaço. Especialmente o amor
entre um pai (que parte em missão, para uma galáxia distante) e uma
filha, inconsolável pela deixa paterna, mas também intrigada com um
“fantasma” que habita sua estante de livros. Divide-se em duas
partes: primeiro, na Terra; depois, paralelamente na Terra e no
espaço, dando sequência às missões Lázaro, que no passado
identificaram três planetas potencialmente habitáveis. Ou seja, o
pano de fundo do longa é a busca por um “novo lar” à nossa
espécie. Com cenas que simulam um documentário real, onde idosos
relatam o mundo (pré-apocalíptico) de antigamente, desde o início,
cria-se uma ambientação muito realista. O poema de Dylan Thomas,
“Não
adentre a boa noite apenas com ternura”,
é usado em momentos cruciais, construindo novas camadas de sentido.
O fascínio pelo mistério, e todas as possibilidades que o não-saber
traz em si, imerge-nos plenamente na história, com auxílio da
belíssima e poderosa trilha sonora de Hans Zimmer. O uso do (passar
do) tempo, aqui, é assombroso, valendo-se da Teoria da Relatividade
para pôr em tela, em paralelo, os efeitos dos anos transcorridos em
espaços gravitacionais diversos. Apesar das facilitações de
roteiro, não me incomodo, visto que há um porquê a sustentar os
“eventos fantásticos”, mesmo que intuídos e não totalmente
claros. A jornada emocional, imprevisível e sublime, sobrepuja
qualquer inverossimilhança, em sequências que pulsam humanidade
segundo a segundo. Quiçá, o mais próximo que algum cineasta já chegou do “êxtase espacial” de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968).
Oppenheimer (2023)
Nota pessoal: 9,8 (excelente)
Rotten Tomatoes: 93% | IMDb: 8,4/10 | Metacritic: 89% | Filmow: 4.1/5
Oscars: melhor filme, melhor direção, melhor ator (Cillian Murphy), melhor ator coadjuvante (Downey Jr.), melhor montagem, melhor fotografia e melhor trilha sonora.
Comentário:
Robert Oppenheimer, um dos maiores físicos norte-americanos, temendo
que a Alemanha Nazista concluísse seus objetivos de fissão nuclear,
é escalado a dirigir o ultrassecreto Projeto Manhattan, na
finalidade de desenvolver as primeiras bombas atômicas da História
– e, assim, dar um ponto final à Segunda Guerra Mundial. Adaptado
do romance Prometeu
Americano,
de Bird & Sherwin, o longa nos prende, em suas três horas de
duração, muito em mérito da montagem, que intercala cenas
paralelamente em blocos altamente emotivos, com auxílio (essencial)
da imersiva trilha sonora; além de se valer do artifício diegético
de inserir elementos da vivência estritamente subjetiva do
protagonista, mesclando suas imagens e sons “internos” com a
objetividade da narrativa. Isso cria uma atmosfera quase surreal,
como se os sonhos e os medos de Oppenheimer sangrassem para dentro da
tela. Cillian Murphy brilha no papel, transmitindo todos os demônios
do personagem – com seu olhar assombrado. Ele teme que a bomba seja
o estopim para o apocalipse. Destaco também Robert Downey Jr. no
papel do ressentido/invejoso Lewis Strauss. Em construção
não-linear, com algumas sequências em preto-e-branco, seguimos os
avanços científicos, o temor bélico ecoando – e crescendo, à
medida que Hitler avança, as repercussões políticas do projeto e
as conspirações anticomunistas. Até que ponto os fins (acabar com
as guerras) justificam os meios (atacar Hiroshima e Nagasaki, matando
milhares de inocentes e demonstrando ao mundo uma nova e invencível
arma)? O que, de fato, é “necessário”? Como no mito, será
punido, psicológica e/ou politicamente, o Prometeu do novo mundo? No
fim, a bomba é a face de Vishnu, da Bhagavad
Gītā:
“Agora, tornei-me a Morte, a destruidora de mundos”, com toda humanidade para sempre ameaçada, de joelhos, rendida.
Inception (2010) | A Origem
Nota pessoal: 10 (perfeito)
Rotten Tomatoes: 87% | IMDb: 8,8/10 | Metacritic: 74% | Filmow: 4.4/5
Oscars: melhor fotografia, melhores efeitos visuais, melhor edição de som e melhor mixagem de som.
Comentário:
Para ser inocentado (de um crime que não cometeu) e finalmente
voltar para casa, Cobb, junto de sua equipe, deve realizar a inserção
de uma ideia nas profundezas da mente do adversário de seu
riquíssimo cliente. Com efeitos visuais impressionantes e uma das
mais marcantes trilhas sonoras de Hans Zimmer, que utiliza
diegeticamente “Non,
je ne regrette rien”,
canção de Édith Piaf, este clássico moderno se vale do conceito
de “ladrão de sonhos” para explorar múltiplas camadas oníricas,
cada qual com seu fluxo temporal específico, diferenciando-se pelo
design de produção. Cobb, originalmente, é um extrator, um ladrão
que invade sonhos e rouba informações sigilosas. Junto dele, há um
armador, que investiga a vida do alvo e articula o plano; um
falsificador, que assume a forma de outras pessoas, nos sonhos, para
manipular o alvo; uma arquiteta, que constrói cenários oníricos
propositalmente labirínticos e paradoxais; um químico, responsável
por manter o alvo e a equipe em sono profundo; e (excepcionalmente)
um “turista”, como é o caso de Saito, o cliente, que financia a
missão. Quanto mais profundo se deseja imergir no inconsciente da
vítima, para roubar ou inserir uma ideia, mais “sonhos dentro de
sonhos” serão necessários, multiplicando a percepção da
passagem do tempo, até chegar no Limbo, onde o sujeito consciente
pode criar sua própria realidade, imaginando – e lá viver, por
décadas, tornando-se idoso, na alma, antes de acordar. Discute-se a
dissolução das fronteiras entre sonho e realidade, a partir do
sujeito, e se vale a pena passar tanto tempo em um mundo de fantasia,
bem como o medo da velhice (e seus remorsos), da solidão e da morte,
vista como um trem para o distante e incerto desconhecido. Central na
trama é o poder que uma simples ideia exerce em nossas vidas,
podendo crescer, dominar-nos e se espalhar socialmente, como um vírus
altamente contagioso. Para mim, um dos melhores filmes do século.
Filmografia completa do diretor:
2023 – Oppenheimer
2020 – Tenet
2017 – Dunkirk
2014 – Interstellar (Interestelar)
2012 – The Dark Knight Rises (Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge)
2010 – Inception (A Origem)
2008 – The Dark Knight (Batman – O Cavaleiro das Trevas)
2006 – The Prestige (O Grande Truque)
2005 – Batman Begins
2002 – Insomnia (Insônia)
2000 – Memento (Amnésia)
1998 – Following (Seguinte)
FONTES: todos os filmes acima, em negrito;
Os vídeos, no YouTube: “Como Christopher Nolan faz seus filmes”, do canal Gaveta; “Como Christopher Nolan faz um filme”, do canal Gustavo Cruz;
Rotten Tomatoes; IMDb; Metacritic; Filmow; Wikipédia.
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