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terça-feira, 7 de abril de 2020

DAVID LYNCH: comentando a filmografia completa


Análise e comentários:
FILMOGRAFIA DE DAVID LYNCH

7 de abril de 2020
Douglas Jefferson, bacharel em Filosofia
fonte da imagem: tenhomaisdiscosqueamigos.com/2018/09/19/album-perdido-de-david-lynch/

            David Lynch, nascido em 1946, é um diretor de cinema estadunidense. Ele também já trabalhou com artes plásticas, roteiro, música e atuação. Seu estilo cinematográfico é altamente identificável devido sua peculiaridade. Grande parte de seus filmes bebem da fonte surrealista, onde é o inconsciente que dita as regras. Toda sua filmografia, diria, gira em torno da estranheza, do anormal, do onírico. Somos convidados, por ele, a imergir em sonhos e pesadelos. Após a experiência, a sensação que permanece é a de que as lembranças de cada cena são sonhos materializados em tela. Sonhos, muitas vezes, macabros, de horror. Outra chave de interpretação se norteia pela noção de voyerismo, que brinca com os nossos desejos e curiosidades; por isso, o erotismo, a tensão sexual, é bastante aflorada em sua filmografia. Lynch afirma que se vale de ideias intuitivas. Ele busca a fidelidade à tais ideias, une elas em um todo mais ou menos coeso e espera que a unidade faça jus aos elementos. O designer de som de suas obras também vale o destaque, visto que auxilia na criação da atmosfera perturbadora. A trilha sonora, por sua vez, em boa parte de sua carreira, fica por cargo de Angelo Badalamenti.
O diretor prefere não explicar as suas criações, deixando que o público interprete ao seu modo. Para podermos adentrar em sua arte, devemos “mudar de plano”, entender que as regras do cinema surrealista são distintas das regras do cinema de narrativa clássica. Se não fizermos isso, teremos grandes chances de nos decepcionar. Ver tais obras com os mesmos parâmetros dos filmes convencionais é o mesmo que julgar um peixe pela capacidade de subir em árvores. O propósito é outro. Devemos, portanto, permitir que as imagens e sons, por si, entreguem cada arte de maneira metafórica ou surreal, o que deixa a realidade “desregulada”. É preciso notar que, durante os filmes, muitas vezes, vamos colhendo informações e fazendo ligações, comparações, para, no final, montarmos um quebra-cabeça. O resultado desse quebra-cabeças tende a, em não raras ocasiões, parecer mais confuso que as partes isoladas. Por isso, devemos entender que, mesmo ao terminar o filme, é necessário um empreendimento mental para capturarmos determinadas mensagens subjetivas e os propósitos e linearidades que o próprio diretor moldou em tela. O cineasta joga com as nossas expectativas e sabe que essa abertura permite uma gama maior de potencialidades interpretativas.
            Fora das artes, Lynch se dedica à meditação transcendental, que, segundo ele, leva à um estado espiritual de intensa felicidade. Ele usa sua fundação para divulgar e promover essas práticas meditativas, como em escolas, onde a iniciativa vem dando muitos resultados. Com seu penteado característico – o mesmo há décadas –, inspirado em Elvis Presley, segundo o próprio em entrevista ao programa Roda Viva, o cineasta fora indicado três vezes ao Oscar de melhor direção: O Homem Elefante (1980); Veludo Azul (1986) e Cidade dos Sonhos (2001). Outro de seu trunfo é a série televisiva Twin Peaks, um dos maiores sucessos da TV nos anos 90, com três temporadas – sendo a última, mais recente, de 2017.
            No que se refere aos curtas-metragens, seu primeiro filme chama-se Seis Figuras Adoecendo (1966), que mais parece um quadro em movimento, ao som de uma sirene ininterrupta. No curta O Alfabeto (1968), inspirado em uma menina, conhecida de sua então esposa, que soletrava o alfabeto enquanto tinha pesadelos, o diretor materializa sua própria versão de tais pesadelos. É o curta mais assustador que já assisti – lembra o clássico de terror O Exorcista. Em A Avó (1970), radicalmente surrealista, vemos um menino em uma relação familiar perturbada, com um pai violento. O Caubói e o Francês (1988) narra o encontro de um grupo de vaqueiros, sendo o líder quase surdo, com um francês cheio de caracóis em sua mala. Talvez seja o trabalho mais cômico de Lynch, que também faz uso, aqui, de musicais. Em 1995, no centenário do cinema, ele dirigiu alguns segundos do filme Lumière et Compagnie, em que diversos cineastas, do mundo todo, puderam se valer de um cinematógrafo dos irmãos Lumière, os pais da sétima arte. Anos mais tarde, realizou Rabbits (2002), uma minissérie – que pode ser vista em formato integral, como um média-metragem – onde três coelhos antropomórficos habitam uma sala de estar. A obra, em forma de sitcom, reúne diálogos aparentemente desconexos e uma atmosfera bizarra, extremamente perturbadora. Mais recentemente, destaco What Did Jack Do? (2017), na qual o próprio Lynch, em tom noir, entrevista um macaco sobre um misterioso assassinato.
            Seus longas-metragens, que comentaremos em seguida, podem ser divididos, no meu entender, em pelo menos três grupos. O primeiro grupo está dentro de um surrealismo basilar. Nele, estão Eraserhead (1977), Estrada Perdida (1997), Cidade dos Sonhos (2001) e Império dos Sonhos (2006). São os filmes mais desafiadores de sua carreira e que não seguem uma linearidade convencional, misturando sonho e realidade ou passado e futuro. No segundo grupo, onde estão Veludo Azul (1986), Coração Selvagem (1990) e Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer (1992), temos uma saturada ambientação onírica, onde os personagens agem de forma exagerada e estranha. O voyerismo é muito presente aqui, com cenas de nudez e erotismo. Há também um quê de conto-de-fadas virado ao avesso. O último grupo é formado por exceções, curvas fora da reta. Nele, temos Duna (1984), que nem o próprio diretor gosta. É um filme de fantasia e aventura. Os dois últimos do grupo, O Homem Elefante (1980) e Uma História Real (1999), são os filmes mais “normais” do diretor, que nos conta duas histórias que, de fato, aconteceram e que são marcadas por certa excentricidade (seja na aparência do protagonista, seja na situação colocada). Este último, segundo Lynch, é seu filme mais experimental, justamente por fugir de seu costume.

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Dune (1984) | Duna

Nota pessoal: 5,7 (regular)
Rotten Tomatoes: 53% | IMDb: 6,5/10 | Metacritic: 40% | Filmow: 3.0/5

Comentário: Em 10.191, a humanidade, dividida pelo universo, viaja em naves espaciais. Nesta realidade, há uma substância – chamada “especiaria” – que só é produzida em um único planeta desértico, onde vermes colossais habitam submergidos. A “especiaria” possui propriedades praticamente milagrosas e gera cobiça em seres sedentos pelo poder. Lançado na “onda de Star Wars”, este longa levou capricho em todo designer de produção, com cenários altamente detalhados. Porém, ao meu ver, o filme peca em muitos aspectos: as atuações não convencem; o ritmo não transmite a sensação que deveria na passagem do tempo; há uma pluralidade de elementos, subtramas, planetas, povos e personagens que tendem a deixar o espectador desnorteado. Nenhum protagonista ou coadjuvante é bem desenvolvido durante a trama. Talvez a história funcionasse melhor sendo contada em trilogia. Além de tudo, os efeitos visuais são bem datados, tornando umas cenas um tanto risíveis. David Lynch, ainda assim, consegue carimbar o seu estilo com criaturas bizarras e sequências oníricas, que o caracterizam.


Wild at Heart (1990) | Coração Selvagem

Nota pessoal: 7,8 (muito bom)
Rotten Tomatoes: 65% | IMDb: 7,2/10 | Metacritic: 52% | Filmow: 3.7/5

Comentário: Sailor (Nicolas Cage) e Lula (Laura Dern) são um casal apaixonado a viver uma viagem para longe, “além do arco-íris”, enquanto a mãe de Lula, a “bruxa má”, tenta interferir na relação e contrata assassinos para matar Sailor. Assim como em Veludo Azul, temos aqui uma espécie de conto-de-fadas subversivo e erótico; dessa vez, referenciando O Mágico de Oz de uma forma bizarra, com flertes surrealistas. Apesar do roteiro seguir um traço sequencial definido, há eventos e objetos que causam total estranheza, saltando da tela pelo descompasso com aquilo que é considerado convencional. Todos os personagens carregam um quê de estranhamento. As cenas sensuais são constantes e parecem funcionar como um tipo de combustível libidinoso da dupla de protagonistas. Porém, enquanto estes brilham, os antagonistas parecem “fora de tom”, aparecendo, sumindo e ressurgindo abruptamente sem obedecer a uma harmonia narrativa de tempo. O elemento onírico também marca a atmosfera de vários trechos do filme, desligando ou afastando as regras da realidade. No todo, o longa funciona bem enquanto road movie de romance com pitadas de humor surrealista.


Blue Velvet (1986) | Veludo Azul

Nota pessoal: 8,4 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 95% | IMDb: 7,8/10 | Metacritic: 76% | Filmow: 4.0/5

Comentário: Jeffrey é um jovem ingênuo e curioso, que mora numa cidade aparentemente perfeita, feliz e harmoniosa. Quando ele descobre uma orelha decepada em um terreno baldio, sua avidez o leva de cabeça ao meio de um mistério sombrio e perturbador. Ao assistir o longa pela primeira vez, a sensação é de estranhamento. Determinadas escolhas do diretor parecem aleatórias e gratuitas, mas, no fundo, escondem simbolismos e uma forma de narrar que foge do convencional. No filme de Lynch, importa a sensação subjetiva, a emoção gerada e não necessariamente uma explicação lógica. O diretor nos convida a entrar, como voyeur, em um conto-de-fadas violento e onírico. Há o contraste entre a “superfície da cidade”, perfeita, feliz, harmônica, e o submundo oculto que ela carrega (perversões descontroladas, drogas, crimes). O protagonista acaba por entrar nesses dois mundos: escondido, em luxúria e perigo, e na superfície, num romance convencional. O vilão, Frank, interpretado muito bem por Dennis Hopper, choca pela crueldade e pela mente doentia. No geral, falta um quê de surpreendente no roteiro.


Inland Empire (2006) | Império dos Sonhos

Nota pessoal: 8,5 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 72% | IMDb: 6,9/10 | Metacritic: 73% | Filmow: 3.8/5

Comentário: Durante a produção de um filme, o elenco descobre que a obra se trata de uma refilmagem e que a versão antiga nunca fora concluída, pois os atores principais foram assassinados. Em três horas de duração, Lynch faz, aqui, o seu longa mais surrealista, perturbador, superando, ao meu ver, até mesmo Eraserhead. Realidade e ficção se imbricam de modo a nos tirar qualquer certeza. Mergulhamos, juntos da personagem de Laura Dern, em poços labirínticos do inconsciente – da atriz? Da personagem? É confusamente metalinguístico. Diria que o gênero predominante, aqui, é o terror psicológico. Cada diálogo revela lacunas enigmáticas e estranhezas delirantes. A protagonista parece sentir constantemente que está sendo observada, filmada. Então seguimos com ela por meio de símbolos, portas, corredores e escadarias sombrias. O diretor parece querer brincar com as nossas descrenças. Outro ponto que tende a gerar grande desconforto são os closes, bem fechados, quase claustrofóbicos, em que a câmera parece não respeitar o “espaço necessário”. Não há regras. Tudo é possível e leva à algum nó difícil – ou impossível – de romper. Durante o filme, a sensação é a de que tudo aquilo não tem fim. É como se ver conscientemente preso em sonho, onde o ato de acordar parece infinitamente distante. Quando acaba, temos a impressão de termos visto o pesadelo de alguém. Um pesadelo sem os “cortes” da memória.


Lost Highway (1997) | Estrada Perdida

Nota pessoal: 8,5 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 60% | IMDb: 7,6/10 | Metacritic: 52% | Filmow: 4.1/5

Comentário: Um saxofonista e sua esposa começam a receber fitas VHS mostrando sua própria casa. Após acontecimentos estranhos e dramáticos, ele é preso e – na prisão – se transforma em outro homem, um rapaz bem mais jovem, que trabalha de mecânico. Parece um grande episódio de Além da Imaginação. Entender esse filme, em todos os seus detalhes, talvez seja impossível. Lynch coloca em tela ideias intuitivas e as liga em um todo que só pode ser coerente dentro do surrealismo. O mundo do saxofonista é vazio, deprimido; o do mecânico, libidinoso e impulsivo. É possível extrair análises sobre temas psicanalíticos. Enquanto trama, conexões aparecem cada vez que o filme avança, mas as contradições parecem indissolúveis (assim como nos sonhos). Ao invés de racionalizar o que ocorre, cabe ao espectador destrinchar as camadas de interpretação de modo subjetivo, podendo se valer de simbolismos. A estética do longa é radicalmente “noventista”, em especial pela trilha sonora e toda ambientação. Destaco duas curiosidades: é tocada a música Insensatez, de Tom Jobim; há uma participação especial do cantor Marilyn Manson.


Twin Peaks: Fire Walk with Me (1992)
Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer

Nota pessoal: 8,6 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 64% | IMDb: 7,3/10 | Metacritic: 28% | Filmow: 3.9/5

Comentário: Após o assassinato de Teresa Banks, dois detetives investigam o crime na estranha cidade de Twin Peaks. Laura Palmer, uma jovem moradora da cidade, parece ter certas similitudes com a moça assassinada. No filme, acompanhamos, primeiramente, os detetives; depois, os dias de Laura. Prequela da série de grande sucesso nos anos 90, este longa nos mergulha em um mistério onde as coisas simplesmente “acontecem”. Temos que girar uma chave na mente antes de embarcar na trama: não estamos diante de um cinema comum. Os personagens agem de forma excêntrica, como de habitual no estilo do diretor. Porém, neste filme, em específico, tive a impressão de estar dentro de um pesadelo. A atmosfera é pesada, esquizofrênica – o que se potencializa pelo uso de drogas da protagonista. Muitas cenas parecem aleatórias e sem sentido (ao se aceitar isso, o filme perde muitos de seus “defeitos”). Há muitas pontas soltas, mas o diretor parece não se importar, embora siga uma linha do tempo, com começo, meio e fim. O surrealismo está no esqueleto do filme. De modo geral, consegui me envolver e aproveitar as sensações, mesmo (propositalmente) desconfortáveis que a obra oferece. Em 2014, foi lançada uma compilação de cenas deletadas com o nome de “Twin Peaks: The Missing Pieces”, que complementa a trama.


The Straight Story (1999) | Uma História Real

Nota pessoal: 8,9 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 95% | IMDb: 8,0/10 | Metacritic: 86% | Filmow: 4.2/5

Comentário: Tendo percebido a proximidade do fim da vida, o sr. Straight, veterano de guerra, decide se aventurar e viajar centenas de milhas, pilotando um cortador de grama, para visitar seu velho irmão. Mesmo debilitado pela idade, o protagonista não se deixa desanimar e segue irredutível em sua missão, fazendo várias amizades pelo caminho. É um filme da Disney, leve, delicado e contemplativo, onde a passagem de tempo não demonstra qualquer pressa, ilustrando a viagem com belas paisagens rurais. Inspirado em uma história real, como diz o título brasileiro, o longa nos convida à reflexão sobre a finitude e o tempo; sobre como os erros do passado, mesmo após décadas, podem provocar eternos remorsos (o remédio está na demonstração e valoração dos atos, em admitir que se importa). É um dos pouquíssimos filmes de Lynch que escapam ao seu estilo mais característico. Como em O Homem Elefante, o diretor, aqui, retrata a realidade, ainda que o real carregue certa excentricidade – no caso, o “veículo de transporte” de Straight (que serve de propósito à mesma piada inúmeras vezes ao longo da trama, tornando o roteiro certamente repetitivo).


Eraserhead (1977)

Nota pessoal: 9,0 (excelente)
Rotten Tomatoes: 90% | IMDb: 7,4/10 | Metacritic: 87% | Filmow: 3.9/5

Comentário: Henry Spencer vive sozinho em seu apartamento, na zona industrial de uma cidade. Certo dia, ele descobre, durante um jantar na casa da família da namorada, que teve um filho prematuro. O primeiro filme de Lynch é todo em preto-e-branco e versa entre o surrealismo e o terror. Não dá medo, mas gera nojo e desconforto. Há elementos estranhos, desconexos e surreais durante todo o longa, o que torna a experiência difícil de ser digerida por uma análise racional. Minha interpretação é a seguinte: tudo no filme, seja sonora ou visualmente, busca ilustrar a mente perturbada e depressiva de um homem cuja paternidade é indesejada. Suas frustrações e seus desejos são ampliados pelo simbolismo que há em seus próprios pesadelos. Distinguir esses pesadelos da realidade se torna impossível, haja visto que a linguagem do filme, em essência, se faz por meio de caráter surrealista. Tendo por objetivo causar todas essas impressões na gente, Eraserhead cumpre muito bem com a premissa.


The Elephant Man (1980) | O Homem Elefante

Nota pessoal: 9,5 (excelente)
Rotten Tomatoes: 91% | IMDb: 8,1/10 | Metacritic: 77% | Filmow: 4.4/5

Comentário: Baseado na história real de John Merrick, que viveu no Reino Unido da Era Vitoriana e possuía 90% do corpo deformado devido à uma doença congênita, o segundo longa de Lynch nos traz um roteiro sensível e de forte dramaticidade, onde somos levados por questionamentos estéticos e morais. Em preto-e-branco, o filme se desenrola a partir dos eventos que levam o médico Frederick Treves, interpretado magnificamente por Anthony Hopkins, a conhecer Merrick, exposto ao público como uma aberração circense. Comovido, o doutor busca levar o doente ao hospital e dar-lhe uma vida digna. O protagonista, debaixo de toda deformação, revela-se um espírito doce, gentil, amável, mesmo a sofrer todo tipo de repulsa social e males físicos. Sua sensibilidade nos toca profundamente (ainda mais sabendo que ele, de fato, existiu). Cada gesto mínimo de ternura, tão rara em sua dura existência, torna-se a coisa mais bela do mundo. Lynch conduz e ilustra o caminho: seria a beleza tão exclusiva da carne, tão própria do invólucro de cada ser humano? Parece que não. Afinal, o “homem-elefante” do título desperta em nós, por caminhos essencialmente humanos, uma beleza delicada e poderosa. No todo, o filme firma-se como uma das grandes obras cinematográficas de sua época.


Mulholland Drive (2001) | Cidade dos Sonhos

Nota pessoal: 9,8 (excelente)
Rotten Tomatoes: 83% | IMDb: 8,0/10 | Metacritic: 84% | Filmow: 4.2/5

Comentário: Rita perde a memória após sofrer um acidente de carro. Em seguida, conhece a adorável e meiga Betty, uma aspirante a atriz. Juntas, em Los Angeles, tentam desvendar o mistério da identidade de Rita. Listado entre os melhores filmes do novo século, creio que, aqui, David Lynch alcança o ápice de seu estilo cinematográfico, mantendo um controle milimétrico de detalhes e uma narrativa que rompe, à medida que avança, com os moldes clássicos: feito que lhe rendeu o prix de la mise en scène, em Cannes, e indicação ao Oscar de melhor direção. É cinema pós-moderno com uma roupagem neo-noir. A atmosfera onírica manipula os elementos em tela, que tendem a parecer soltos – ou ligados por simbolismos inconscientes. Cada acontecimento se move por forças que escapam à sobriedade do real. Querências se desnudam; máscaras caem e nos mostram segredos. Há uma tensão sexual muito forte entre as protagonistas, que, muitas vezes, sussurram de modo afetuoso e trocam gestos de carinho. A fotografia quente ressalta essa atração. Betty é como a personificação da mulher ideal, angelical, cheia de talentos e virtudes; Rita, a incorporação do mistério e do erótico, onde cada desvelamento nos releva uma parte do quebra-cabeças. O resultado, pela montagem, pode deixar o público confuso, mas entrega uma trama muito bem fechada, de fortes e profundas significações.

David Lynch - Masterpieces from Gabriel Fasano on Vimeo.

Filmografia completa do diretor:

2006 - Inland Empire (Império dos Sonhos)
2001 - Mulholland Drive (Cidade dos Sonhos)
1999 - The Straight Story (Uma História Real)
1997 - Lost Highway (Estrada Perdida)
1992 - Twin Peaks: Fire Walk with Me (Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer)
1990 - Wild at Heart (Coração Selvagem)
1986 - Blue Velvet (Veludo Azul)
1984 - Dune (Duna)
1980 - The Elephant Man (O Homem Elefante)
1977 - Eraserhead

FONTES: todos os filmes acima, em negrito; Wikipédia; Rotten Tomatoes; IMDb; Metacritic e Filmow; entrevista de David Lynch ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2008; The Short Films of David Lynch (2002).

2 comentários:

  1. Uau. Que descrição maravilhosa. Fiquei com vontade de ver diversos filmes, fiquei realmente curiosa sobre Inland Empire, The Straight Story e Mulholland Drive

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  2. Excelente review dos filmes de David Lynch, ótima análise da essência e atmosfera dos filmes sem spoilers. Assisti metade da lista, fiquei curiosa para assistir Mulholland Drive. Homem elefante ainda meu favorito. Lynch realmente tem um estilo próprio e excêntrico. Para sempre traumatizada com eraserhead rsrs. É como você disse, temos que assitir os filmes conscientes que a narrativa não se encaixa nos parâmetros comuns de ritmo e realismo. Filmes que devem ser digeridos e analisados, propositalmente perturbadores e inquietantes.

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