Análise e comentários:
FILMOGRAFIA DE DAVID LYNCH
7
de abril de 2020
Douglas Jefferson, bacharel em Filosofia
fonte da imagem: tenhomaisdiscosqueamigos.com/2018/09/19/album-perdido-de-david-lynch/
David Lynch, nascido em 1946, é um
diretor de cinema estadunidense. Ele também já trabalhou com artes plásticas,
roteiro, música e atuação. Seu estilo cinematográfico é altamente identificável
devido sua peculiaridade. Grande parte de seus filmes bebem da fonte
surrealista, onde é o inconsciente que dita as regras. Toda sua filmografia,
diria, gira em torno da estranheza, do anormal, do onírico. Somos convidados,
por ele, a imergir em sonhos e pesadelos. Após a experiência, a sensação que
permanece é a de que as lembranças de cada cena são sonhos materializados em tela.
Sonhos, muitas vezes, macabros, de horror. Outra chave de interpretação se
norteia pela noção de voyerismo, que brinca com os nossos desejos e
curiosidades; por isso, o erotismo, a tensão sexual, é bastante aflorada em sua
filmografia. Lynch afirma que se vale de ideias intuitivas. Ele busca a
fidelidade à tais ideias, une elas em um todo mais ou menos coeso e espera que
a unidade faça jus aos elementos. O designer de som de suas obras também vale o
destaque, visto que auxilia na criação da atmosfera perturbadora. A trilha
sonora, por sua vez, em boa parte de sua carreira, fica por cargo de Angelo
Badalamenti.
O diretor prefere não explicar as suas criações,
deixando que o público interprete ao seu modo. Para podermos adentrar em sua
arte, devemos “mudar de plano”, entender que as regras do cinema surrealista
são distintas das regras do cinema de narrativa clássica. Se não fizermos isso,
teremos grandes chances de nos decepcionar. Ver tais obras com os mesmos
parâmetros dos filmes convencionais é o mesmo que julgar um peixe pela
capacidade de subir em árvores. O propósito é outro. Devemos, portanto,
permitir que as imagens e sons, por si, entreguem cada arte de maneira
metafórica ou surreal, o que deixa a realidade “desregulada”. É preciso notar que,
durante os filmes, muitas vezes, vamos colhendo informações e fazendo ligações,
comparações, para, no final, montarmos um quebra-cabeça. O resultado desse
quebra-cabeças tende a, em não raras ocasiões, parecer mais confuso que as
partes isoladas. Por isso, devemos entender que, mesmo ao terminar o filme, é
necessário um empreendimento mental para capturarmos determinadas mensagens
subjetivas e os propósitos e linearidades que o próprio diretor moldou em tela.
O cineasta joga com as nossas expectativas e sabe que essa abertura permite uma
gama maior de potencialidades interpretativas.
Fora das artes, Lynch se dedica à
meditação transcendental, que, segundo ele, leva à um estado espiritual de
intensa felicidade. Ele usa sua fundação para divulgar e promover essas
práticas meditativas, como em escolas, onde a iniciativa vem dando muitos resultados.
Com seu penteado característico – o mesmo há décadas –, inspirado em Elvis
Presley, segundo o próprio em entrevista ao programa Roda Viva, o cineasta fora
indicado três vezes ao Oscar de melhor direção: O Homem Elefante (1980);
Veludo Azul (1986) e Cidade dos Sonhos (2001). Outro de seu
trunfo é a série televisiva Twin Peaks, um dos maiores sucessos da TV
nos anos 90, com três temporadas – sendo a última, mais recente, de 2017.
No que se refere aos
curtas-metragens, seu primeiro filme chama-se Seis Figuras Adoecendo
(1966), que mais parece um quadro em movimento, ao som de uma sirene ininterrupta.
No curta O Alfabeto (1968), inspirado em uma menina, conhecida de sua
então esposa, que soletrava o alfabeto enquanto tinha pesadelos, o diretor
materializa sua própria versão de tais pesadelos. É o curta mais assustador que
já assisti – lembra o clássico de terror O Exorcista. Em A Avó (1970),
radicalmente surrealista, vemos um menino em uma relação familiar perturbada,
com um pai violento. O Caubói e o Francês (1988) narra o encontro de um
grupo de vaqueiros, sendo o líder quase surdo, com um francês cheio de caracóis
em sua mala. Talvez seja o trabalho mais cômico de Lynch, que também faz uso,
aqui, de musicais. Em 1995, no centenário do cinema, ele dirigiu alguns
segundos do filme Lumière et Compagnie, em que diversos cineastas, do
mundo todo, puderam se valer de um cinematógrafo dos irmãos Lumière, os pais da
sétima arte. Anos mais tarde, realizou Rabbits (2002), uma minissérie – que
pode ser vista em formato integral, como um média-metragem – onde três coelhos
antropomórficos habitam uma sala de estar. A obra, em forma de sitcom,
reúne diálogos aparentemente desconexos e uma atmosfera bizarra, extremamente
perturbadora. Mais recentemente, destaco What Did Jack Do? (2017), na
qual o próprio Lynch, em tom noir, entrevista um macaco sobre um
misterioso assassinato.
Seus longas-metragens, que
comentaremos em seguida, podem ser divididos, no meu entender, em pelo menos três
grupos. O primeiro grupo está dentro de um surrealismo basilar. Nele, estão Eraserhead
(1977), Estrada Perdida (1997), Cidade dos Sonhos (2001) e Império
dos Sonhos (2006). São os filmes mais desafiadores de sua carreira e que
não seguem uma linearidade convencional, misturando sonho e realidade ou
passado e futuro. No segundo grupo, onde estão Veludo Azul (1986), Coração
Selvagem (1990) e Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer
(1992), temos uma saturada ambientação onírica, onde os personagens agem de
forma exagerada e estranha. O voyerismo é muito presente aqui, com cenas
de nudez e erotismo. Há também um quê de conto-de-fadas virado ao avesso. O
último grupo é formado por exceções, curvas fora da reta. Nele, temos Duna
(1984), que nem o próprio diretor gosta. É um filme de fantasia e aventura. Os
dois últimos do grupo, O Homem Elefante (1980) e Uma História Real
(1999), são os filmes mais “normais” do diretor, que nos conta duas histórias
que, de fato, aconteceram e que são marcadas por certa excentricidade (seja na aparência
do protagonista, seja na situação colocada). Este último, segundo Lynch, é seu
filme mais experimental, justamente por fugir de seu costume.
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Dune (1984) | Duna
Nota pessoal: 5,7 (regular)
Rotten Tomatoes: 53% | IMDb: 6,5/10 | Metacritic: 40%
| Filmow: 3.0/5
Comentário: Em 10.191, a humanidade, dividida pelo
universo, viaja em naves espaciais. Nesta realidade, há uma substância –
chamada “especiaria” – que só é produzida em um único planeta desértico, onde
vermes colossais habitam submergidos. A “especiaria” possui propriedades
praticamente milagrosas e gera cobiça em seres sedentos pelo poder. Lançado na
“onda de Star Wars”, este longa levou capricho em todo designer de
produção, com cenários altamente detalhados. Porém, ao meu ver, o filme peca em
muitos aspectos: as atuações não convencem; o ritmo não transmite a sensação
que deveria na passagem do tempo; há uma pluralidade de elementos, subtramas,
planetas, povos e personagens que tendem a deixar o espectador desnorteado. Nenhum
protagonista ou coadjuvante é bem desenvolvido durante a trama. Talvez a
história funcionasse melhor sendo contada em trilogia. Além de tudo, os efeitos
visuais são bem datados, tornando umas cenas um tanto risíveis. David Lynch,
ainda assim, consegue carimbar o seu estilo com criaturas bizarras e sequências
oníricas, que o caracterizam.
Wild at Heart (1990) | Coração Selvagem
Nota pessoal: 7,8 (muito bom)
Rotten Tomatoes: 65% | IMDb: 7,2/10 | Metacritic: 52%
| Filmow: 3.7/5
Comentário: Sailor (Nicolas Cage) e Lula (Laura Dern)
são um casal apaixonado a viver uma viagem para longe, “além do arco-íris”,
enquanto a mãe de Lula, a “bruxa má”, tenta interferir na relação e contrata
assassinos para matar Sailor. Assim como em Veludo Azul, temos aqui uma
espécie de conto-de-fadas subversivo e erótico; dessa vez, referenciando O
Mágico de Oz de uma forma bizarra, com flertes surrealistas. Apesar do
roteiro seguir um traço sequencial definido, há eventos e objetos que causam
total estranheza, saltando da tela pelo descompasso com aquilo que é
considerado convencional. Todos os personagens carregam um quê de
estranhamento. As cenas sensuais são constantes e parecem funcionar como um
tipo de combustível libidinoso da dupla de protagonistas. Porém, enquanto estes
brilham, os antagonistas parecem “fora de tom”, aparecendo, sumindo e
ressurgindo abruptamente sem obedecer a uma harmonia narrativa de tempo. O
elemento onírico também marca a atmosfera de vários trechos do filme,
desligando ou afastando as regras da realidade. No todo, o longa funciona bem
enquanto road movie de romance com pitadas de humor surrealista.
Blue Velvet (1986) | Veludo Azul
Nota pessoal: 8,4 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 95% | IMDb: 7,8/10 | Metacritic: 76%
| Filmow: 4.0/5
Comentário: Jeffrey é um jovem ingênuo e curioso, que
mora numa cidade aparentemente perfeita, feliz e harmoniosa. Quando ele
descobre uma orelha decepada em um terreno baldio, sua avidez o leva de cabeça
ao meio de um mistério sombrio e perturbador. Ao assistir o longa pela primeira
vez, a sensação é de estranhamento. Determinadas escolhas do diretor parecem
aleatórias e gratuitas, mas, no fundo, escondem simbolismos e uma forma de
narrar que foge do convencional. No filme de Lynch, importa a sensação
subjetiva, a emoção gerada e não necessariamente uma explicação lógica. O
diretor nos convida a entrar, como voyeur, em um conto-de-fadas violento
e onírico. Há o contraste entre a “superfície da cidade”, perfeita, feliz,
harmônica, e o submundo oculto que ela carrega (perversões descontroladas,
drogas, crimes). O protagonista acaba por entrar nesses dois mundos: escondido,
em luxúria e perigo, e na superfície, num romance convencional. O vilão, Frank,
interpretado muito bem por Dennis Hopper, choca pela crueldade e pela mente
doentia. No geral, falta um quê de surpreendente no roteiro.
Inland Empire (2006) | Império dos Sonhos
Nota pessoal: 8,5 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 72% | IMDb: 6,9/10 | Metacritic: 73%
| Filmow: 3.8/5
Comentário: Durante a produção de um filme, o elenco
descobre que a obra se trata de uma refilmagem e que a versão antiga nunca fora
concluída, pois os atores principais foram assassinados. Em três horas de
duração, Lynch faz, aqui, o seu longa mais surrealista, perturbador, superando,
ao meu ver, até mesmo Eraserhead. Realidade e ficção se imbricam de modo
a nos tirar qualquer certeza. Mergulhamos, juntos da personagem de Laura Dern,
em poços labirínticos do inconsciente – da atriz? Da personagem? É confusamente
metalinguístico. Diria que o gênero predominante, aqui, é o terror psicológico.
Cada diálogo revela lacunas enigmáticas e estranhezas delirantes. A
protagonista parece sentir constantemente que está sendo observada, filmada.
Então seguimos com ela por meio de símbolos, portas, corredores e escadarias
sombrias. O diretor parece querer brincar com as nossas descrenças. Outro ponto
que tende a gerar grande desconforto são os closes, bem fechados, quase
claustrofóbicos, em que a câmera parece não respeitar o “espaço necessário”.
Não há regras. Tudo é possível e leva à algum nó difícil – ou impossível – de romper.
Durante o filme, a sensação é a de que tudo aquilo não tem fim. É como se ver
conscientemente preso em sonho, onde o ato de acordar parece infinitamente
distante. Quando acaba, temos a impressão de termos visto o pesadelo de alguém.
Um pesadelo sem os “cortes” da memória.
Lost
Highway (1997) | Estrada Perdida
Nota pessoal: 8,5 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 60% | IMDb: 7,6/10 | Metacritic: 52%
| Filmow: 4.1/5
Comentário: Um saxofonista e sua esposa começam a
receber fitas VHS mostrando sua própria casa. Após acontecimentos estranhos e
dramáticos, ele é preso e – na prisão – se transforma em outro homem, um rapaz
bem mais jovem, que trabalha de mecânico. Parece um grande episódio de Além
da Imaginação. Entender esse filme, em todos os seus detalhes, talvez seja
impossível. Lynch coloca em tela ideias intuitivas e as liga em um todo que só
pode ser coerente dentro do surrealismo. O mundo do saxofonista é vazio,
deprimido; o do mecânico, libidinoso e impulsivo. É possível extrair análises
sobre temas psicanalíticos. Enquanto trama, conexões aparecem cada vez que o
filme avança, mas as contradições parecem indissolúveis (assim como nos
sonhos). Ao invés de racionalizar o que ocorre, cabe ao espectador destrinchar
as camadas de interpretação de modo subjetivo, podendo se valer de simbolismos.
A estética do longa é radicalmente “noventista”, em especial pela trilha sonora
e toda ambientação. Destaco duas curiosidades: é tocada a música Insensatez,
de Tom Jobim; há uma participação especial do cantor Marilyn Manson.
Twin Peaks: Fire Walk with Me (1992)
Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer
Nota pessoal: 8,6 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 64% | IMDb: 7,3/10 | Metacritic: 28%
| Filmow: 3.9/5
Comentário: Após o assassinato de Teresa Banks, dois
detetives investigam o crime na estranha cidade de Twin Peaks. Laura Palmer,
uma jovem moradora da cidade, parece ter certas similitudes com a moça
assassinada. No filme, acompanhamos, primeiramente, os detetives; depois, os
dias de Laura. Prequela da série de grande sucesso nos anos 90, este longa nos
mergulha em um mistério onde as coisas simplesmente “acontecem”. Temos que
girar uma chave na mente antes de embarcar na trama: não estamos diante de um
cinema comum. Os personagens agem de forma excêntrica, como de habitual no
estilo do diretor. Porém, neste filme, em específico, tive a impressão de estar
dentro de um pesadelo. A atmosfera é pesada, esquizofrênica – o que se
potencializa pelo uso de drogas da protagonista. Muitas cenas parecem
aleatórias e sem sentido (ao se aceitar isso, o filme perde muitos de seus
“defeitos”). Há muitas pontas soltas, mas o diretor parece não se importar,
embora siga uma linha do tempo, com começo, meio e fim. O surrealismo está no
esqueleto do filme. De modo geral, consegui me envolver e aproveitar as
sensações, mesmo (propositalmente) desconfortáveis que a obra oferece. Em 2014,
foi lançada uma compilação de cenas deletadas com o nome de “Twin Peaks: The
Missing Pieces”, que complementa a trama.
The Straight Story (1999) | Uma História Real
Nota pessoal: 8,9 (ótimo)
Rotten Tomatoes: 95% | IMDb: 8,0/10 | Metacritic: 86%
| Filmow: 4.2/5
Comentário: Tendo percebido a proximidade do fim da
vida, o sr. Straight, veterano de guerra, decide se aventurar e viajar centenas
de milhas, pilotando um cortador de grama, para visitar seu velho irmão. Mesmo
debilitado pela idade, o protagonista não se deixa desanimar e segue
irredutível em sua missão, fazendo várias amizades pelo caminho. É um filme da
Disney, leve, delicado e contemplativo, onde a passagem de tempo não demonstra
qualquer pressa, ilustrando a viagem com belas paisagens rurais. Inspirado em
uma história real, como diz o título brasileiro, o longa nos convida à reflexão
sobre a finitude e o tempo; sobre como os erros do passado, mesmo após décadas,
podem provocar eternos remorsos (o remédio está na demonstração e valoração dos
atos, em admitir que se importa). É um dos pouquíssimos filmes de Lynch que
escapam ao seu estilo mais característico. Como em O Homem Elefante, o
diretor, aqui, retrata a realidade, ainda que o real carregue certa
excentricidade – no caso, o “veículo de transporte” de Straight (que serve de
propósito à mesma piada inúmeras vezes ao longo da trama, tornando o roteiro
certamente repetitivo).
Eraserhead (1977)
Nota pessoal: 9,0 (excelente)
Rotten Tomatoes: 90% | IMDb: 7,4/10 | Metacritic: 87%
| Filmow: 3.9/5
Comentário: Henry Spencer vive sozinho em seu
apartamento, na zona industrial de uma cidade. Certo dia, ele descobre, durante
um jantar na casa da família da namorada, que teve um filho prematuro. O
primeiro filme de Lynch é todo em preto-e-branco e versa entre o surrealismo e
o terror. Não dá medo, mas gera nojo e desconforto. Há elementos estranhos,
desconexos e surreais durante todo o longa, o que torna a experiência difícil
de ser digerida por uma análise racional. Minha interpretação é a seguinte:
tudo no filme, seja sonora ou visualmente, busca ilustrar a mente perturbada e depressiva
de um homem cuja paternidade é indesejada. Suas frustrações e seus desejos são
ampliados pelo simbolismo que há em seus próprios pesadelos. Distinguir esses
pesadelos da realidade se torna impossível, haja visto que a linguagem do
filme, em essência, se faz por meio de caráter surrealista. Tendo por objetivo
causar todas essas impressões na gente, Eraserhead cumpre muito bem com
a premissa.
Nota pessoal: 9,5 (excelente)
Rotten Tomatoes: 91% | IMDb: 8,1/10 | Metacritic: 77%
| Filmow: 4.4/5
Comentário: Baseado na história real de John Merrick,
que viveu no Reino Unido da Era Vitoriana e possuía 90% do corpo deformado
devido à uma doença congênita, o segundo longa de Lynch nos traz um roteiro
sensível e de forte dramaticidade, onde somos levados por questionamentos
estéticos e morais. Em preto-e-branco, o filme se desenrola a partir dos
eventos que levam o médico Frederick Treves, interpretado magnificamente por Anthony
Hopkins, a conhecer Merrick, exposto ao público como uma aberração circense.
Comovido, o doutor busca levar o doente ao hospital e dar-lhe uma vida digna. O
protagonista, debaixo de toda deformação, revela-se um espírito doce, gentil,
amável, mesmo a sofrer todo tipo de repulsa social e males físicos. Sua
sensibilidade nos toca profundamente (ainda mais sabendo que ele, de fato,
existiu). Cada gesto mínimo de ternura, tão rara em sua dura existência,
torna-se a coisa mais bela do mundo. Lynch conduz e ilustra o caminho: seria a
beleza tão exclusiva da carne, tão própria do invólucro de cada ser humano?
Parece que não. Afinal, o “homem-elefante” do título desperta em nós, por
caminhos essencialmente humanos, uma beleza delicada e poderosa. No todo, o
filme firma-se como uma das grandes obras cinematográficas de sua época.
Mulholland Drive (2001) | Cidade dos Sonhos
Nota pessoal: 9,8 (excelente)
Rotten Tomatoes: 83% | IMDb: 8,0/10 | Metacritic: 84%
| Filmow: 4.2/5
Comentário: Rita perde a memória após sofrer um
acidente de carro. Em seguida, conhece a adorável e meiga Betty, uma aspirante
a atriz. Juntas, em Los Angeles, tentam desvendar o mistério da identidade de
Rita. Listado entre os melhores filmes do novo século, creio que, aqui, David
Lynch alcança o ápice de seu estilo cinematográfico, mantendo um controle
milimétrico de detalhes e uma narrativa que rompe, à medida que avança, com os
moldes clássicos: feito que lhe rendeu o prix de la mise en scène, em
Cannes, e indicação ao Oscar de melhor direção. É cinema pós-moderno com uma
roupagem neo-noir. A atmosfera onírica manipula os elementos em tela,
que tendem a parecer soltos – ou ligados por simbolismos inconscientes. Cada
acontecimento se move por forças que escapam à sobriedade do real. Querências
se desnudam; máscaras caem e nos mostram segredos. Há uma tensão sexual muito
forte entre as protagonistas, que, muitas vezes, sussurram de modo afetuoso e
trocam gestos de carinho. A fotografia quente ressalta essa atração. Betty é
como a personificação da mulher ideal, angelical, cheia de talentos e virtudes;
Rita, a incorporação do mistério e do erótico, onde cada desvelamento nos
releva uma parte do quebra-cabeças. O resultado, pela montagem, pode deixar o
público confuso, mas entrega uma trama muito bem fechada, de fortes e profundas
significações.
Filmografia
completa do diretor:
2006
- Inland Empire (Império dos Sonhos)
2001
- Mulholland Drive (Cidade dos Sonhos)
1999
- The Straight Story (Uma História Real)
1997
- Lost Highway (Estrada Perdida)
1992
- Twin Peaks: Fire Walk with Me (Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura
Palmer)
1990
- Wild at Heart (Coração Selvagem)
1986
- Blue Velvet (Veludo Azul)
1984
- Dune (Duna)
1980 - The Elephant Man (O Homem Elefante)
1977 - Eraserhead
1980 - The Elephant Man (O Homem Elefante)
1977 - Eraserhead
FONTES:
todos os filmes acima, em negrito; Wikipédia; Rotten Tomatoes; IMDb; Metacritic
e Filmow; entrevista de David Lynch ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em
2008; The Short Films of David Lynch (2002).
Uau. Que descrição maravilhosa. Fiquei com vontade de ver diversos filmes, fiquei realmente curiosa sobre Inland Empire, The Straight Story e Mulholland Drive
ResponderExcluirExcelente review dos filmes de David Lynch, ótima análise da essência e atmosfera dos filmes sem spoilers. Assisti metade da lista, fiquei curiosa para assistir Mulholland Drive. Homem elefante ainda meu favorito. Lynch realmente tem um estilo próprio e excêntrico. Para sempre traumatizada com eraserhead rsrs. É como você disse, temos que assitir os filmes conscientes que a narrativa não se encaixa nos parâmetros comuns de ritmo e realismo. Filmes que devem ser digeridos e analisados, propositalmente perturbadores e inquietantes.
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